Uma política cultural na Ditadura Militar?

Márcio Augusto Freitas de Meira

1/7/2004

Como foi apontado, nos 60 anos que se seguiram à Semana de Arte Moderna de 1922, embora tenham sido sedimentadas no Estado e na sociedade brasileira ideias, criações e ações que formaram a base sobre a qual se constrói no Brasil uma política cultural mais complexa e integrada, foi somente no final dos anos 70 que se iniciou no interior do Estado um debate no qual se vislumbrava a possibilidade de tradução dos conceitos antropológicos de cultura, de um complexo de saberes e práticas de um povo, num conjunto de políticas públicas que considere a cultura não apenas como ‘arte’, mas como um dos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo inclusive definidora da sua humanidade e do seu exercício republicano de cidadania.

Essa ideia começou a se evidenciar mais claramente, de maneira contraditória nos anos de chumbo da Ditadura Militar, dentro do Ministério da Educação e Cultura, no qual havia a Secretaria de Assuntos Culturais, posteriormente transformada em Secretaria da Cultura, em 1981, pelas mãos de Aloisio Magalhães. A SEC funcionava através de duas subsecretarias: a Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN – e a de Assuntos Culturais – SEAC -, cada uma delas com suas respectivas fundações, a próMemória e a FUNARTE, braços executivos da política cultural. A Embrafilme, Fundação Casa de Rui Barbosa e a Fundação Joaquim Nabuco, por suas especificidades, eram subordinadas diretamente à Secretaria da Cultura.

Despontou nesse período a figura de Aloisio Magalhães, Secretário de Cultura do MEC e presidente do IPHAN. Aloisio, pelas suas ideias e ações, tornou-se um referencial contraditório do regime autoritário, pois defendia posições inovadoras e democráticas para um país submetido ao cerco da censura e da perseguição política e ideológica. Estava sintonizado com o debate internacional promovido pela UNESCO e, em 1982, se perguntava:

‘Quais são os valores permanentes de uma nação? Quais são verdadeiramente esses pontos de referência nos quais podemos nos apoiar, podemos nos sustentar porque não há dúvida de sua validade, porque não podem ser questionados, não podem ser postos em dúvida? Só os bens culturais. Só o acervo do nosso processo criativo, aquilo que construímos na área da cultura, na área da reflexão, que deve tomar aí seu sentido mais amplo – costumes, hábitos, maneiras de ser. Tudo aquilo que foi sendo cristalizado nesse processo, que ao longo desse processo histórico se pode identificar como valor permanente da nação brasileira. Estes são os nossos bens, e é sobre eles que temos que construir um processo projetivo’.