Uma aventura paradoxal no design brasileiro

João de Souza Leite

SP 2005

UT Libraries 2008

Arc Design – Revista de design, arquitetura, interiores, cultura

  • p. 74-79

Aloisio Magalhães foi pintor, designer e político modernizador no trato da cultura. Foi voz forte no debate sobre design no Brasil e na discussão sobre o papel do Estado na questão cultural. Nascido no Recife em 1927, onde cursou a Faculdade de Direito, dali saiu para conhecer o mundo. Entre 1951 e 1953 morou em Paris e, na volta, fez sua primeira exposição de pinturas no Recife e pelo Brasil afora. Bolsista novamente em 1956, chegou aos Estados Unidos. Foi então que travou contato com a concepção anglo-saxã de design, parametrizada pelo modernismo europeu. Já no Rio de Janeiro, em 1960, em crise com a função do artista no mundo contemporâneo, decidiu-se pelo design, por seu caráter coletivo. Iniciava-se um percurso profissional que se transformou em referência para o design brasileiro — pelo porte e qualidade, pela extensão dos seus projetos e por seu reflexo na sociedade. Literalmente, o design desenvolvido por Aloisio Magalhães ganhou as ruas brasileiras. Mas inquieto que era, estava em Brasília quando ouviu: “Por que o produto brasileiro não tem uma fisionomia própria?” Em meio à situação do país, ainda sob o jugo militar. Aloisio enxergou novas possibilidades. Daquela conversa …

No escritório do Leme, em 1966, em meio à seu recinto de produção: os símbolos da Fundação Bienal; da geradora de energia elétrica Light; do IV Centenário do Rio de Janeiro e da Doce Nave, companhia de navegação da Vale do Rio Doce. Nesse ano, Aloisio deu início ao desenho das cédulas do Cruzeiro Novo. Poucas vezes se viu, no Brasil, um escritório envolvido simultaneamente com projetos de tamanha grandeza.

… da vida em seu cotidiano, e que agrega o componente da cultura, passa a ser sua divisa. Em 1975, em conversa com o então ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, e com seu amigo o embaixador Wladimir Murtinho, surgiu a questão: por que o produto brasileiro não possui uma cara própria? Dessas conversas originou-se uma proposta para o Estado, na verdade o enunciado de um programa de investigação sobre o que poderia constituir referência brasileira para o traçado de um desenvolvimento harmônico. Mas o que seria, no entender de Aloisio, este desenvolvimento harmônico? Em Mário de Andrade, em Gilberto Freyre, em Lúcio Costa se encontram alguns indícios: uma atitude estética, que incorpora a arte à vida, nos atributos da forma do utensílio e do artefato. No Manifesto Regionalista de 1926, Gilberto Freyre exalta as características regionais como possibilidade de harmonia entre materiais forma e usufruto da vida. Nunca pelo viés do pitoresco, mas pela sólida argumentação e por seu valor social. É a esta linhagem do moderno brasileiro que Aloisio pertence: a que não se furta ao confronto com o contexto na equação do seu projeto. O moderno que se embrenha pelos rincões do nosso país em busca da sua originalidade. O seu Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) era um programa de pesquisas e investigações derivado de um princípio: o olhar sobre a realidade para identificar o problema em sua característica própria, nunca a partir de uma abstração. Nesse sentido, Aloisio foi pragmático, um analista do possível, sempre atento ao contexto e disposto ao projeto do futuro. Não optou pelo caminho de uma estética atemporal, desvinculada da história e dos lugares. Preferiu encorpar a senda dessa outra vertente do moderno, justamente esta que imbrica a perspectiva do futuro com a herança do passado. Assim foi o paradoxal Aloisio Magalhães.

Um derrame fatal, porém, interrompeu-lhe o trajeto em junho de 1982, em Veneza.

“O Outro Sentido do Moderno: Aloisio Magalhães e o Design Brasileiro” De 29/9 até 6/11/ 2005, de terça a domingo, das 12 as 19h (Centro Cultural Correios: Rua Visconde de Itaboraí – Rio de Janeiro)