Ouro Preto

1979

UT Libraries 2009

Interior

  • p. 116

… observação do comportamento de fundações e de encostas, visando prevenir novos acidentes.

A primeira dessas cortinas garante hoje a igreja de São Francisco, considerada o exemplo maior do barroco mineiro. Projetada pelo Aleijadinho, teve sua construção iniciada em 1766. São do Aleijadinho também os dois púlpitos de pedra-sabão, o frontispício e o rico altar-mor; o painel do forro é do pintor Manuel da Costa Ataíde. Igualmente ameaçada de desmoronamento estava a Igreja das Mercês, próxima ao centro de Ouro Preto e também construída no século XVIII. Nos dois casos o problema era o mesmo. As rochas sobre as quais estão as igrejas começaram a deslizar, pressionadas pela água das chuvas. Algumas rachaduras surgiram nas paredes. Assim, embora o risco não fosse considerado iminente, podia-se prever que, mais cedo ou mais tarde, os danos se agravariam. E não faltava quem achasse provável o desabamento de partes inteiras das construções. Isso chegou a acontecer em outro ponto da cidade, o cemitério da Irmandade de São José, situado ao lado da igreja do mesmo nome. Fortemente atingido pelas chuvas e enxurradas, o morro sobre o qual está o cemitério cedeu — e com as rochas deslizaram muros e jazigos inteiros. Mais tarde, nos trabalhos de recomposição, os operários chegaram a encontrar ossos …

A igreja de São José, porém, não sofreu. Nos três casos foram construídas cortinas atirantadas, redes de concreto apoiando as rochas que são, ainda, “aparafusadas” mediante injeções de concreto e colocação de grandes pinos metálicos, de modo a impedir — ou pelo menos dificultar — novos deslizamentos. Uma quarta “cortina” desse gênero foi construída em frente à Santa Casa de Misericórdia, nas bordas da estrada que constitui o principal acesso a Ouro Preto e que ficara reduzida a uma pista nesse ponto. Mais, difícil. O trabalho mais penoso, porém, foi realizado na Vila São José, zona operária, que fica a cerca de dois quilômetros do centro da cidade. O desmoronamento do morro situado à jusante do bairro ameaçava 50 casas, nas quais vivem 1.200 pessoas. Na verdade, o custo das obras seria mais elevado do do que a reconstrução das casas em outro lugar. O deslizamento, porém, poderia continuar e atingir toda a área do Pilar, fazendo desaparecer não só várias dezenas de prédios de grande valor arquitetônico e histórico como a própria Matriz de Nossa Senhora do Pilar, construída a partir de 1731.

Em um ano de obras retiraram-se do morro cem mil metros cúbicos de terra — o equivalente a aproximadamente 130 mil caminhões carregados – em trabalho conjunto do …

Toda a terra retirada está sendo levada para uma área de 80 mil metros quadrados, próxima à Vila São José. Essa área era ocupada pelo chamado “lago de lama”, formado pela barragem de retenção de resíduos químicos da produção da Alcan. Agora aterrado, servirá para a criação de parque ecológico — por enquanto, apenas um projeto. De qualquer forma, no espaço antes coberto pelos detritos, bastante poluentes, já estão colocadas algumas traves, usadas pelos moradores da vila para o futebol do fim de semana. Várias obras menores prosseguem, enquanto isso. E algumas estão agora sendo iniciadas. Foram suavizadas também as encostas do morro que ameaçava sepultar a Santa Casa de Misericórdia, hoje protegida por terraços que dificultam os desmoronamentos. Começa-se a pensar em trabalhos que conterão a erosão do morro sobre o qual se situa a igreja de Santa Efigênia e em formas de recuperar ruas e calçamentos que ruíram parcialmente, como a Tomé Afonso e a Conselheiro Quintiliano, ambas compostas por casas dos séculos XVIII e XIX.

Ouro Preto, como outros conjuntos de grande valor arquitetônico e histórico, é também uma cidade viva, onde mora, trabalha e se diverte numerosa população. Não pode, portanto, ser vista como algo semelhante a um museu, um depósito de bens que, embora de grande valia, estão fora de uso. Aloisio Magalhães explica, em Minas Gerais, a orientação da SPHAN:

“A comunidade é um organismo vivo, que precisa modificar-se e renovar-se através da própria vida; manter o bem cultural, portanto, não é para o tempo, mas fazer com uma harmonia exista na sua trajetória”

Essa conceituação levou a uma viravolta na ação do Patrimônio Histórico, que agora procura ser visto mais como a entidade encarregada de conduzir a repressão, mesmo que consequentemente justificada, mas com órgão que age junto com a comunidade orientando-a quando necessário e ela colaborando.

Como proteger o patrimônio histórico e artístico nacional sem participação? A questão é tanto grave quando se lembra que, se conduzida a ação dos poderes públicos a preservação do bem cultural pode mesmo chocar-se com os interesses econômicos imediatos da comunidade. Caso o governo se limite, por exercer a tombar uma área residencial, oferecer qualquer tipo de estímulo a seus moradores e proprietários enfrentará certamente uma reação: nela viver, e mesmo para proteger precisarão fazer gastos que não são cobertos por valorização, além de barrar em permanente possibilidade de embargo a qualquer movimento que façam.