Junho 1982
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a morte de Aloisio Magalhães — ocorrida domingo, na Itália — deixa um enorme vazio na vida cultural e política do País.
O Professor Aloisio Magalhães é praticamente o fundador do design brasileiro
Seu espírito criador permitiu que em uma vida relativamente curta percorresse um longo itinerário — iniciado mesmo antes da fundação de “o Gráfico Amador” na cidade do Recife, na escola que representou o Teatro do Estudante de Pernambuco nos fins dos anos 40.
Assim com a pintura, com a gravura, com o design, com os seus cartemas. Lembro uma das últimas vezes em que estivemos juntos — no lançamento do livro de Ataíde sobre o carnaval de Olinda, no velho Mercado da Ribeira.
Diário do Congresso Nacional
Vol. 8 Ed. 11
- p. 5255
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Pernambuco sepultou, no dia 17 do corrente, seu ex-Secretário de Educação e Cultura, Aloisio Magalhães falecido dia 13 em Pádua, na Itália, onde se encontrava em missão internacional. Membro de tradicional família pernambucana, sobrinho do ex-Ministro e ex-Governador Agamenon Magalhães (em cujo jazigo foi inumado), Aloisio, homem de cultura superior, preferiu emprestar maior dedicação às artes, e principalmente à memória nacional, destacando-se, nessa preocupação, como um dos mais eminentes conservacionistas do País. Por isso mesmo fez-se representar ao enterro o Ministro da Educação, Rubem Ludwig, ao lado da mulher do morto, Dona Solange, das filhas Clarice e Carolina, entre centenas de amigos e parentes.
O corpo foi velado durante todo o dia na Oficina Guaianases, onde se montara uma mostra dos seus últimos trabalhos como artista plástico: onze litografias de Olinda, cidade que lhe mereceu o maior interesse no sentido de transformar-se em monumento histórico mundial.
Dezenas de artistas que trabalhavam com Aloisio Magalhães na Guaianases velaram o seu corpo e assistiram à missa celebrada por Dom Basílio Penido. Abade do Mosteiro de São Bento. Também, a sua mãe, Dona Henriqueta Magalhães, velou o corpo do filho durante toda a tarde, participando dezenas de políticos do velório e do sepultamento. O Governo de Minas Gerais e oito entidades culturais do Estado mandaram celebrar missa em sufrágio de sua alma, no dia 18 do corrente, na Capela de Sant’Ana, no Palácio da Liberdade. Falando sobre o infausto acontecimento, declarou o Ministro Rubem Ludwig, ao desembarcar no Recife, que “a morte do professor Aloisio Magalhães foi uma perda irreparável, difícil de ser preenchida.” Esclareceu que a sua ida ao Recife, para o sepultamento, “é uma homenagem do Ministério da Educação e Cultura a um homem que tanto o dignificou, como Secretário da Cultura.” “O trabalho de Aloisio — assinalou o Ministro — baliza tudo o que diz respeito à inovação cultural. Nós, infelizmente, estamos diante de uma realidade inexorável e teremos que apresentar, hoje, nossas despedidas a Aloisio Magalhães.” Foi um intelectual de primeira água, um artista de rara sensibilidade, um amante do nosso patrimônio artístico e cultural, por isso trata-se de uma grande perda não apenas para Pernambuco, senão para todo o Brasil. Ao levar nossas condolências à família enlutada, estendemo-la a todo o Estado de Pernambuco, a quem Aloisio Magalhães sempre serviu com rara dignidade e amor à terra natal. Era o que tínhamos a dizer, Sr. presidente.
1983
PSU Libraries 2011
Vol. 9. Ed. 8
Diário do Congresso Nacional
Seção I
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p. 5048
Tive o privilégio de conhecê-lo, de trabalhar e manter contatos com ele em dois momentos do Ministério da Educação e Cultura: um, quando era Ministro o Sr. Eduardo Portela; o outro, quando era Ministro o Sr. Rubem Ludwig. Eu era assessor do MEC; ele, antes, era Diretor do IPHAN, e, depois, também Secretário da Cultura. Foi ali, graças a essa maior aproximação, que aprendi a admirar a personalidade incomum de Aloisio Magalhães, versátil, multifacetada, impossível de analisar com maior profundidade no exíguo tempo de que disponho. Formado em Direito, Aloisio jamais exerceu a advocacia, iniciando sua atividade profissional como pintor, optando depois pela comunicação visual. Esta, no seu entender, era “muito mais ampla”, deflagrando, em geral “um processo global de comunicação.” Dessa atividade resultaram o símbolo do IV Centenário do Rio de Janeiro, o novo papel moeda brasileiro, criado por volta de 1967, e, por ele mesmo, depois renovado, os logotipos da PETROBRAS, do Banco Central, do Banco Nacional, da Cia. do Cigarros Souza Cruz, do Unibanco e muitos outros.
Da magnífica personalidade de Aloisio Magalhães destaco um aspecto marcante e fundamental — o político. Político não pela militância partidária, mas pela capacidade de articulação. Com habilidade, paciência e determinação se entregava à “montagem institucional de seus projetos”.
Esse pensamento é corroborado pelo professor de ciência política da UNICAMP, Paulo Sérgio Pinheiro: “Num momento que pretende ser de transição, era o homem público ideal, porque aberto ao diálogo, ao debate, receptivo à contestação, à crítica, acreditando sempre nas vantagens da conversa, do entendimento. Fez bem em não esperar que um outro regime pudesse acolher mais entusiasticamente, quem sabe, seus planos renovadores. Quase premonitoriamente aproveitou muito bem seu tempo.” Esse alto senso político de Aloisio Magalhães tornou- o um administrador totalmente dedicado ao interesse público. Falando sobre esse aspecto da vida de Aloisio, o já citado professor de ciência política, Paulo Sérgio Pinheiro, assim se manifesta: “Não havia porta ou burocrata que resistisse a seus encantos, à honestidade e persistência gentil com que apresentava suas reivindicações. Uma vocação irresistível para a causa pública, além dos interesses pessoais ou de classe, raríssima na política brasileira onde o auto-benefício e os cálculos mesquinhos são de bom tom. Essa dedicação era solidamente fundamentada num compromisso fundamental com a sociedade brasileira.” Esse compromisso foi a razão de ser da sua existência e o fim último do seu trabalho. Ana Maria Miranda, poetisa e artista plástica, reconhece como elemento relevante na obra de Aloisio Magalhães e que, segundo ela, com o passar do tempo ganhará ainda maior amplitude, a “integração das comunidades no projeto cultural da Secretaria, através da participação dos órgãos locais, públicos e privativos, e sobretudo da população. Esse trabalho, descentralizando o planejamento e a execução e permitindo um fluxo incessante de alimentação”, dava ao trabalho de Aloisio Magalhães dimensão verdadeiramente nacional. Para Aloisio, continua Ana Maria Miranda,
“o fenômeno cultural é espontâneo; não pode ser manipulado, nem direcionado através de normas exaradas à distância, na segregação dos gabinetes”.
Certa vez, o irmão Ageu Magalhães Filho participou- lhe preocupação que lhe causava estar ele desviando-se da sua virtude principal de pintor de quadros. A resposta veio pronta:
“Não se preocupe, meu caro; o mais importante é que o artista participe amplamente da comunidade e não se limite às dimensões de um quadro.
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… o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Logo depois instaurou a Fundação próMemória.
Com a chegada de Rubem Ludwig ao Ministério da Educação, Aloisio foi elevado a Secretária da Cultura. O Ministro Ludwig teria dito: “Eu sou o Ministro da Educação. A cultura é com o Aloisio.” Era, na prática, o Ministro da Cultura, embora se demonstrasse contrário a um Ministério da Cultura, pelo menos por enquanto. Assumindo a Secretaria da Cultura do MEC, expôs ao Ministro sua teoria das duas vertentes do bem cultural, que, com todas as ideias inovadoras, provocou reações. Por defender a memória nacional, foi chamado passadista. Em janeiro de 1982, concedeu entrevista à revista “Isto É”, onde Aloisio Magalhães explicava:
“Essa contradição (história pessoal mais ligada à vanguarda do que à preservação do passado) é curiosa: um sujeito com a minha formação e postura sentir necessidade de um recuo para poder melhor entender a formulação projetiva. É como o estilingue, que usamos muito como criança: quanto mais se estica a borracha para trás, mais longe via a pedra.”
O próprio Aloisio Magalhães, na revista “Cultura”, do MEC, nº 36
Uma, a vertente do bem patrimonial “preocupada em saber guardar o já cristalizado em nossa cultura, buscando identificar esse patrimônio, recuperá-lo, preservá-lo, revitalizá-lo, referenciá-lo e devolvê-lo à comunidade a que pertence. Do outro lado, a vertente da produção, circulação e consumo da cultura, voltada para a dinâmica da produção artística nos vários setores como literatura, teatro, música, cinema, artes plásticas etc, na qual se está atento pára captar o que ocorre na realidade brasileira e estimular onde for necessário, para mais tarde, eventualmente, verificar o que, do material assim obtido, cristalizou-se e incorporou-se à dimensão patrimonial. Partindo desse princípio, operam-se grandes modificações no MEC, iniciando-se com a criação da Secretaria de Assuntos Culturais. Seguiu-se a fusão do IPHAN com o CNRC e com o Programa de Cidades Históricas da SEPLAN/PR; que formaram a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Fundação Nacional Pró-Memória. “Sua passagem pelo Ministério da Educação é pontuada por uma série de atos afirmativos, simbolicamente afirmativos…” – é o testemunho de Corinto de Arruda Falcão, representante da Hotelaria no Conselho Nacional de Turismo.
A expecional atividade de Aloisio Magalhães no âmbito cultural foi reconhecida internacionalmente, tendo alcançado a vice-Presidência do Bureau Internacional do Patrimônio Histórico da UNESCO. Esse trabalho na UNESCO teve como saldo positivo o tombamento de Ouro Preto e Olinda, patrimônios da cultura universal. Por fim — last, but not least — gostaria de ressaltar as excepcionais qualidades de Aloisio Magalhães como criatura humana. Alegre e cheio de vida, Antônio Augusto dos Reis Veloso assim o descreve: “Figura humana singular, o Aloisio. Era homem generoso por excelência. Sorriso aberto, nos olhos e no bigode, resplandecia no entusiasmo de suas ideias e ideais.” A cultura brasileira ainda não se recuperou da perda desse grande brasileiro. Fazendo este registro, presto à memória de Aloisio Magalhães o preito de gratidão que merece pelos inestimáveis serviços que prestou à cultura nacional.