John Ruskin and Aloisio Magalhães: Furthering the Concepts of “Arts and Crafts” and Graphic Design
Fabrícia Guimarães Sobral Cabral
Paraná 2006
7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design
Resumo
Este artigo faz parte de um conjunto de reflexões sobre os saberes produzidos no
campo do design na sua relação com os modos de produção artesanal. Examinaremos
os discursos de John Ruskin (Inglaterra, meados do século XIX) e Aloisio Magalhães
(Brasil, meados do século XX). Produzidos em dois momentos diferentes e em
duas situações espaciais onde se percebe a tensão da passagem ou a quebra
de paradigma, que acompanharam as transformações dos modos de produção,
as industrializações britânica e brasileira, e que, cada um à sua maneira, culmina com
o surgimento de um novo agente social. O designer.
Palavras Chave: epistemologia, design de produto, artesanato.
Abstract
This article is part of a set of reflections on the knowledge developed in the field of
design in its relation to the artisanal production methods.
We will examine the views of John Ruskin (England, middle of the 19th century) and
Aloisio Magalhães (Brazil, middle of the 20th century).
Produced at different times and within two space situations, where the paradigm
breakthrough tension that accompanied the transformations in such methods is
perceived, British and Brazilian industrialization, each in its own way, culminates with
the sprouting of a new social agent. The designer.
Keywords: epistemology, product design, artcraft.
Ruskin – A Manufatura Moderna e o Design
“A manufatura moderna e o design” é o título da palestra realizada por Ruskin em
Bradford, Inglaterra, em março de 1859.
Ruskin na ocasião ocupava o lugar de fala das disciplinas, como importante professor e
crítico de arte e não menos importante artista-pintor.
O principal objetivo de Ruskin era falar sobre a aplicação do design na indústria e nas
“artes decorativas”, consideradas como o ato de projetar para o interior das
construções.
A palestra teve como estrutura a noção de convencionalismo, por meio da qual
Ruskin realizou diferenciações ao ponderar sobre a estética e o uso dos objetos,
assim como discorreu sobre a importância da familiarização do criador com a
técnica e a natureza dos materiais no ato da criação.
Fez observações sobre o que chamou de entraves para o sucesso da Inglaterra na
“área de design”.
O primeiro obstáculo seriam os frequentes falsos princípios que fundamentavam a
“arte decorativa” como arte inferior e para fortalecer o seu argumento de igualdade
entre as artes fez menção ao que classificaria como artes decorativas realizadas
por artistas consagrados, como a pintura mural e os desenhos para tapeçaria de Rafael.
O período era de formação do campo do design, os artistas, primeiros designers,
eram os profissionais que iniciavam esse processo de projetar a forma dos objetos para
as indústrias. No mesmo período, era travado, no campo da arte, o embate entre a arte
decorativa e os demais tipos de manifestações artísticas. Janet Wolff, mostra que
a condição da arte decorativa como “arte menor” e das demais como “arte maior”,
pode ser situada historicamente e relacionada com o aparecimento da ideia do
“artista como gênio”.
Ruskin, justifica que a condição da arte ser portátil “é que está mais próxima de
constituir uma degradação”.
Na palestra, Ruskin tentou deixar os ouvintes conscientes de que “toda arte
pode ser decorativa, e que a maior parte que já se produziu o era”. Distinguiu as
diferentes ordens de arte decorativa, ditando normas e fórmulas a serem seguidas
ao se lidar com cada categoria descrita.
A primeira categoria seria a arte decorativa “destinada a lugares em que não pode
ser perturbada ou danificada, e em que pode ser vista com perfeição”. A pintura
em que as partes principais deveriam ser elaboradas pelos grandes mestres seguindo
as normas e os dogmas da boa arte, modo de produção constante na Idade Média em
que o mestre pintava as partes principais e os ajudantes ou aprendizes pintavam
as demais.
A segunda a arte decorativa que “está exposta a danos, desgaste e ao uso, ou à
alteração de sua forma”. Nessa categoria estão os objetos, que deveriam ficar aos
cuidados dos designers e receber formas simples ou formas artísticas inferiores – o
que posteriormente Ruskin denominou de nobre convencionalismo. As formas simples
se prestariam às distorções ocasionadas pelo uso e tornar-se-iam mais adequadas a
esses objetos.
Após dividir as artes decorativas em categorias, Ruskin fez recomendações sobre o
uso adequado do convencionalismo em decorrência do material, do lugar ou da
serventia do objeto. No convencionalismo a ser utilizado em decorrência da ineficiência
de material, forneceu como exemplo a representação do ser humano em pedra onde
a redução da sua cor ao branco não seria uma degradação. O respeito à “verdade”
dos materiais e o seu “bom” uso deveriam ser utilizados em prol do respeito aos
limites e características do material. Como mau uso dos materiais exemplificou
a representação falsa de cílios em pedra e o ato de esculpir cabelos.
A segunda aplicação do convencionalismo seria em decorrência da inferioridade de lugar,
o trabalho a ser visto à grande distância, localizado em ambiente escuro ou em outros
lugares “imperfeitos”, que deveria receber tratamento “rude ou severo” para ser eficaz.
A terceira, em decorrência da inferioridade de serventia, o ornamento “inferior”, que
deveria ser degradado não aparecendo tão quanto ou mais que a peça principal.
Ruskin fez críticas às cópias dos ornamentos gregos, procedimento comum na época
– como comentado por Bomfim, pois os produtos confeccionados com as mais
modernas técnicas recebiam “configuração decorativa inspirada nos templos gregos
ou romanos”.
Criticou as cópias e não os ornamentos gregos em si. Como pode ser observado na
sua fala em que elogiou a cerâmica grega e o desenho em ziguezague, tendo como
origem a prática de desenhar a vestimenta de ninfas e cavalheiros. Atribuiu ao “dom”
a capacidade de percepção e abstração das formas principais da natureza e sugeriu
que os alunos de design retomassem um pouco esse dom a partir da prática “e da
observação direta da natureza”. O dom seria fruto não só de um “je ne sais quoi”,
mas da prática de desenhar a natureza.
Ruskin, chegou à conclusão que o designer deveria ocupar-se do convencionalismo,
pelo fato de sua criação ser voltada para os objetos sujeitos ao desgaste. Sugeriu
como solução o “convencionalismo nobre” que teria como base o ensino das artes.
E fez a primeira distinção entre o artista e o designer: o design deveria ocupar-se
do convencionalismo nobre; o artista, da interpretação das formas da natureza.
As críticas ruskinianas atingiram diretamente as tipologias do design propagadas na
época: os padrões planos, as cores sóbrias, as figuras geométricas, a abstração e a
simetria formal. Teorias de arte decorativa propagadas pelo Journal of Design and
Manufactures na década de 50, defendidas pelo South Kensington integrado, entre
outros, por Ower Jones e Richard Redgrave e ligadas ao sistema de Henry Cole. Os
primeiros dogmas do design e dos artistas formados por este sistema que Ruskin
criticava e denominava de “princípios modernos”, os “padrões planos e cores sóbrias”
que classificou como “monotonias convencionais”. Para demonstrar a falta de
consistência dos princípios propagados pelo grupo a que fez oposição, relatou
conversa que teve com Wornum, importante teórico do design, autor do livro
Analysis of Ornament, também ligado ao South Kensington. Wornum sustentava que
a essência do ornamento residia no contraste, na série e na simetria.
Ruskin alegou que nenhuma das três coisas produzia ornamentos. E expôs um
diálogo entre ele e Wornum: “(fiz uma mancha borrada com minha caneta no papel),
‘você tem contraste, mas não é ornamento. Aqui, você tem série’, (e escrevi os
números 1,2,3,4,5,6), ‘mas não é ornamento. E aqui’, (desenhando essa figura aí
em baixo), ‘você tem simetria, mas não é ornamento’.
Meu amigo respondeu: ‘Seus materiais não eram ornamento por que você não
os aplicou. Devolvo-os para você, transformado em um lindo lenço esportivo: Cada
figura está convertida em harmonia ao ser revolvida sobre dois eixos, e o todo
oposto em séries contrastantes’.”
Ruskin indagou quais princípios realmente determinavam a harmonia do lenço e
tentou demonstrar que a harmonia não estava nos três princípios citados por
Wornum e sim no seu “bom senso e juízo”, o que para Ruskin era um “poder”, o
que pode ser sinônimo do que considera “dom”. Acrescentou na réplica a crítica
à “confusão” que o ensino de design defendido por Wornum e seus pares causavam
nesse campo das “belas artes”: “É justamente o conhecimento da razão para não
fazer tais coisas, e para fazer o que fez, que constitui seu poder como design.
Você acaba confundido os outros ao afirmar que o design depende de série e
simetria quando, na verdade, depende inteiramente do seu próprio senso e
juízo.”
Ruskin, expôs os princípios que fizeram com que o desenho do lenço fosse
harmonioso: a repetição da figura beneficiada pela sua “vulgaridade”, seria o
primeiro princípio; a simetria valorizada pela falta de nobreza dos materiais
ornamentais, o segundo princípio.
Quanto ao segundo obstáculo para o campo do design na Inglaterra, apontou as
questões estéticas da paisagem e os problemas ambientais decorrentes do processo
de industrialização, o que prejudicava a memória do artista. Para Ruskin a função do
artista seria recordar e trabalhar com base na leitura da natureza, na interpretação
de formas orgânicas, no respeito às características e a verdade dos materiais. Princípios
que influenciaram o movimento Art Nouveau e o princípio da assimetria como o
paradigma da simetria da estética industrial. O designer deveria educar o gosto
da população, assim como a arte, por meio de seus produtos. Como uma boa
influência, “ampla ou eficaz”, das manufaturas sobre o gosto do público e instrumento
de educação destacou a prática de William Wedgwood, um bom exemplo na
configuração de produtos das manufaturas de cerâmica de Standfford. Segundo
Ramos, é inegável a idealização da Idade Média como período áureo,
perspectiva amplamente divulgada desde o início do século XIX, representada entre
outros por William Morris, fortemente influenciado pelos princípios ruskinianos
juntamente com o movimento Arts and Crafts, que o tem como maior representante
de sua aplicação prática.
As críticas de Ruskin ao mesmo tempo englobavam o sistema do período moderno,
como: às questões trabalhistas, o sistema da produção em série e o lucro excessivo à
custa de mão-de-obra barata, infantil e escrava, a divisão do trabalho e a base na
teoria darwinista de seleção natural dos melhores; e a modificação estética do
cenário decorrente do processo de industrialização. Bomfim, contextualiza que,
nessa época, crianças, a partir dos seis anos, eram contratadas pelas indústrias
e juntamente com homens e mulheres tinham jornadas de até 14 horas. Para Ruskin,
“sem paz e prazer no trabalho não há design”.
Realizaremos um corte neste ponto para iniciar a análise do discurso de Aloisio
Magalhães que se apresenta no Brasil, meados do século XX.
Período de surgimento do design e de implantação do parque industrial no país.
Aloisio e o CNRC
O discurso de Aloisio apresentou-se primeiramente no campo do design e das
tecnologias, depois na cultura. Bacharel em Direito, artista e designer consagrado,
gestor político, intitulou-se “intermediador”. O Centro Nacional de Referência
Cultural (CNRC) criado em 1975, foi a primeira ação de Aloisio Magalhães (1927-
1982) como político cultural e é sobre ela que recai nossa análise.
A investida de Aloisio no campo da cultura refletiu seu livre trânsito nos campos do
design e da cultura. O que possibilitou que problemas formulados no campo do
design, como a relação entre a configuração de produtos brasileiros e as
tecnologias, fossem debatidos e estudados no campo da cultura e vice-versa.
Neste trabalho analisaremos alguns documentos oficiais do Arquivo
Aloisio Magalhães/Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
produzidos entre o ano de 1977 e 1981, e entrevistas coletadas na publicação E
Triunfo?.
A criação do CNRC para Aloisio teve origem na insatisfação ocasionada pela diminuição
do que denominou “caracteres próprios das culturas”, provocada pelo processo
acelerado de industrialização. Neste contexto, a pergunta: “Por que não se reconhece
o produto brasileiro? Por que ele não tem uma fisionomia própria?”, deflagrou
a criação do Centro.
Primeiramente, sediado nas dependências da Universidade de Brasília e posteriormente
incorporado ao IPHAN. O objetivo primeiro do CNRC seria buscar indicadores para a
elaboração de um modelo de desenvolvimento adequado às necessidades nacionais
vinculando a questão cultural a do desenvolvimento. Suas ações propunham
“produzir referências” sobre bens culturais vivos, que estariam presentes no saber
popular, documentá-los e ajudar a
dinamizá-los. O propósito dos projetos era revelar a diversidade da cultura brasileira
para que fosse levada em conta no processo de desenvolvimento da nação,
apresentada por Aloisio como uma sociedade modernizada, industrializada e
altamente complexa, subdesenvolvida, mas com domínio tecnológico, características
que possibilitavam o trânsito nas duas áreas.
Aloisio, quando assumiu a direção IPHAN retomou no Ante-Projeto do SPHAN,
formulado por Mario de Andrade em 1936, o conceito de bens culturais que abrangia
o saber popular. O resultado foi a geração e a elaboração dos novos conceitos de
bens culturais materiais e imateriais, incorporados à Constituição Federal de 1988
e considerados o principal fruto dos trabalhos desenvolvidos pelo CNRC.
Contudo, apesar de na gestão de Aloisio terem sido formulados e posteriormente
inseridos na C. F. de 88 os conceitos de bens culturais materiais e imateriais a
política patrimonial só iniciou a operar efetivamente sobre esses bens a partir do ano
de 2000, quando foi instituído o instrumento do Registro dos bens culturais de
natureza imaterial, o Decreto 3551.
Projetos do CNRC/Pró Memória
Os projetos do CNCR foram reflexos do interesse de Aloisio pelas tecnologias do “fazer
popular”, que eram abordadas ora na linha de pesquisa do “artesanato” ora na linha da
“história da tecnologia”, dependendo das suas características.
O programa de artesanato tinha como propósito o “conhecimento dos processos de
produção, comercialização e consumo; das matérias primas e técnicas artesanais”.
Aloisio comentou que no caso de Amaro de Tracunhaém, um dos projetos desenvolvidos
nessa linha, foi estudado o processo de criação desde da elaboração até o produto final,
assim como no projeto da tecelagem do triângulo mineiro. Mas a intenção era ir além
do conhecimento, era possibilitar a continuidade sem alterar o gosto e o comportamento
do artesão. O método partia de dados produzidos durante a pesquisa que indicariam as
ações de melhoria do processo e do produto, até mesmo possibilitando que o artesão
conhecesse melhor seu processo de trabalho.
Aloisio combatia a política que queria incorporar o artesanato ao sistema capitalista e
que colocava como condição o aumento da sua produtividade. O olhar de Aloisio
estava voltado para cada caso, para a “trajetória própria”, onde a intervenção, seja de
que “lado” surgisse deveria apoiar o artesanato a seguir o seu caminho, sem tolher
sua criatividade, sem modificar, só auxiliar. Continuidade, trajetória, evolução,
desenvolvimento harmonioso, são palavras que se repetem no seu discurso.
Gonçalves, considera que a apropriação da cultura nacional, no discurso de Aloisio,
segue dois caminhos.
No primeiro, o foco está no passado como instrumento de referência a ser usado no
processo de desenvolvimento econômico e cultural. A ênfase está na ideia de uma
“trajetória” histórica na qual o passado é importante quando garante uma
“continuidade” de um processo cultural.
No outro, o foco está na categoria “povo”, personagem principal de sua
narrativa, entendido como o conjunto dos diversos segmentos sociais e comunidades
locais que compõem a sociedade e os produtores dos bens culturais que garantem a
sua autenticidade.
Outrossim, Aloisio caracterizou o alto índice de invenção “como sendo uma atitude de
pré-design.
Em outras palavras, o artesão brasileiro é basicamente um designer em
potencial, muito mais do que um artesão no sentido clássico”. Essa característica seria
atribuída à capacidade de tolerância; à ausência de amarras, por ser um saber não
cristalizado; e à disponibilidade para a invenção. Exemplificou que no Brasil, basicamente
o homem do século XIII (indígenas), convivia com elementos do século XX e que ele
sobrevivia graças à “isenção e invenção”. Igualmente acontecia no caso do uso dos
resíduos da indústria pelo “povo” para construção de um objeto que se mostrava
necessário e adequado àquela realidade: o uso de pneumáticos na construção de lixeiras.
Os valores culturais da produção de objetos artesanais no Brasil estavam nessas
características: isenção e invenção. O potencial estava no homem, produtor de cultura.
Por isso, também, combatia programas e projetos estatais que tinham como premissa
que o artesanato deveria permanecer como tal, taxava-as
de impositiva e entendia que a continuidade, mesmo histórica, comportava modificações.
“nada existe de propriamente ‘novo’.
O ‘novo’ é apenas uma forma transformada do passado, enriquecida na continuidade do
processo, ou novamente revelada de um repertório latente”.
Questionamentos importantes foram levantados nos projetos sobre artesanato do
Centro. Como a noção de autenticidade, considerava-se que decorria de uma
visão dogmática e externa ao processo. Outro postura questionadora foi a elaboração
de tipologias a partir de comparação entre as pesquisas desenvolvidas, sem
considerar tipologias pré-estabelecidas, sendo: fazeres codificados (a tecelagem); os
que dão margem à criatividade individual (a cerâmica); fazeres tradicionais (a cerâmica
e a tecelagem); artesanato de transformação e reciclagem (as lixeiras, utilização
de pneumáticos no Nordeste).
Na linha de pesquisa da História da tecnologia e da ciência, o foco era o estudo das
“tecnologias básicas que são autênticas” e os objetivos: o conhecimento das técnicas
e do saber tradicional artesanais; compreensão das economias pré-mercado e o
estímulo a descoberta de tecnologias alternativas nas atividades de transformação do
país.
Faziam parte desta linha os projetos: Estudo Multidisciplinar do Caju e A Marca
Estampada em Folha de Flandres, em Juiz de Fora.
A importância desses projetos para Aloisio estava na tentativa de valorizar o que ele
denominava de autênticas identidades nacionais – presentes no saber e na
capacidade criativa do “povo” – ameaçadas constantemente pelo processo
de desenvolvimento tecnológico em curso no Brasil, iniciado entre as décadas de 30 e
50. Segundo Gonçalves, no discurso de Aloisio o principal problema
enfrentado principalmente pelo terceiro mundo era a perda dos “seus
componentes fundamentais” pelo processo de integração universal
propagado pelas tecnologias e por sua produção em massa, principalmente com a
implantação das multinacionais, trazendo o perigo da homogeneização. Aloisio não
era contra a tecnologia, assim como Ruskin era contra o processo pelo qual ela se
apresenta e faz parte.
Alguns desses problemas pensados no CNRC aparecem na história do design, como
as preocupações de Papanek, que recomendou projetos de design para o mundo real.
Atitude próxima aos ideais difundidos por Aloisio como “o universal não é o igual” que
acabou tornando-se um dogma difundido por muitos do campo do design.
Segundo Bomfim, essa foi uma das correntes estéticas definidas com a prática efetiva
do design no país.
As experiências do CNRC foram analisadas e discutidas no campo da política cultural.
Porém, são importantes reflexões para o campo do design, por dentre suas
finalidades estudar a relação entre o ser humano e o objeto por ele produzido, tocando
em possíveis metodologias de intervenção.
Conclusão
Artesanal no contexto de Ruskin, século XIX, era a denominação do modo de produção
das antigas guildas da Inglaterra. Ruskin expressou o valor desse modo de produção
ao descrever a lâmpada
da vida como a revelação do toque imperfeito da mão humana no trabalho; e a
da memória, pautada em conceitos da sociologia, a memória como sinônimo de
tradição, o passado como impulso criativo motivador das grandes obras de arte.
Artesanal no contexto de Aloisio apresentava-se como a produção da cultura popular
no Brasil em meados do século XX, uma “disponibilidade imensa para o fazer, para a
criação de objetos”. Aloisio valorizava o “passado histórico” da cultura e acreditava
na sua “evolução”.
O discurso de Ruskin está situado no contexto de reconhecimento oficial do design,
na tensão entre criação artística e criação para a indústria. Contexto em que o
produto industrial reproduzia a morfologia do artesanal. Mas, por não ter nascido das
mãos dos trabalhadores, seria sempre inferior ao artesanal, modo de produção
apontado como solução para os problemas da época. Para o design da época,
Ruskin, propôs como solução o bom convencionalismo que seria obtido na: observação
e interpretação, não na mimese, do belo, a fonte do belo
seria a natureza e a boa arte; compreensão dos limites dos materiais, o que ocasiona a
sua boa utilização; habilidade em desenhar e o bom gosto, que viriam da formação como
artista. Educação, trabalho e bom senso. A única diferença entre o designer e o artista
seria que um está voltado para a boa arte e o outro para o bom convencionalismo.
O designer seria moldado pela formação de artista que lhe dotaria dos
conhecimentos necessários ao adequado trabalho das técnicas, dos materiais e das
formas, criando assim a identidade do produto industrial por meio do
convencionalismo. Método sem fórmulas, que ia de encontro ao utilizado
pelas institucionalizadas Schools of Design. Ademais, Ruskin exerceu influência na
apreciação não só dos valores econômicos do design, mas também dos éticos.
Aloisio, buscou o reconhecimento oficial do “saber fazer” do “povo” brasileiro. Propôs
a reflexão, o “olhar”, a compreensão da “cultura” e do processo de produção de
objetos, das tecnologias “próprias” do Brasil produzidas pela cultura popular.
Importantes reflexões para o campo do design, por dentre suas finalidades estudar
a relação entre o ser humano e o objeto por ele produzido. Rejeitou fórmulas, programas
e projetos oficiais que adotavam procedimentos padrões ao atuar com o artesanato,
seja para preservá-lo ou inserí-lo no mercado comercial. Valorizou a isenção e a
invenção do homem brasileiro nesse tipo de produção, características identificadas
nas pesquisas do Centro. O método adotado era o de identificar, conhecer e refletir
uma situação para depois devolver.
Noção definida como contraponto da intervenção (ação externa sobre um
contexto cultural), desejada como um auxílio à evolução sem intervir; ou uma
intervenção com resultados positivos. Algo que não foi encontrado configurando-se
como uma indagação. Como devolver? Como auxiliar no processo de evolução sem
alterar o gosto e o comportamento?
Para Aloisio, intervenção seriam mudanças que seriam decorrentes não de rupturas
mais de adiantamento, aceleração do processo evolutivo.
A partir da crença na evolução encontramos uma ambigüidade no discurso de Aloisio: a
analogia entre o artesão e o designer. Aloisio declarara que a evolução seria uma
trajetória em direção a uma maior complexidade, eficiência e
produtividade. Posteriormente, ao ressaltar o valor do artesão, expõe que o artesão seria
potencialmente um designer. Deste modo, induz que artesão evoluiria a ponto de ser
um designer. Relação paradoxal em relação a outras falas, como
a que Aloisio aponta o contexto de heterogeneidade brasileiro e referencia o encontro
de Mario de Andrade com Chico Antônio, situação em que o erudito coloca sua posição
de igualdade com o popular, em que não existiria necessidade de equiparar o popular
ao erudito. Ademais, a colocação vai de encontro ao conjunto de falas e ações
realizadas por Aloisio e os órgãos que gerenciava.
Paradoxalmente ao campo do design Ruskin e Aloisio não trazem como solução para
interação design e artesanato modelos prescritivos.
Ruskin propõe um modelo de um campo também prático: o da arte. Aloisio propõe um
modelo investigativo com interface direta com a antropologia.
Contribuições estéticas e metodológicas com potencial de auxiliar na construção de um
conhecimento que auxilie o designer a pensar e atuar sobre a produção artesanal.
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