Patrimônio antropofágico: AM reflete MA

Sérgio Luiz Dias Portella

2005

UT Libraries 2008

Políticas culturais: diálogo indispensável

Vol. 2

  • p. 21

A propósito do título deste ensaio, um jogo de letras: Aloisio Magalhães (AM) reflete Mário de Andrade (MA), em dois sentidos propriamente. 

Primeiro, daquele do fenômeno físico expresso pela luz no espelho. Nele, Aloisio Magalhães espelha Mário de Andrade, recebe a luz de Mário de Andrade e, como um espelho, a espelha, a repete, se confunde com o original, não fosse a inversão da imagem.

Segundo, no sentido do ato abstrato de refletir do pesquisador, que se debruça sobre o que estuda, disseca-o, vai em suas entranhas e retira as razões de sua busca, que diretamente não tem a ver com o objeto em si. Nele Aloisio Magalhães pensa Mário de Andrade, transforma-o em objeto e, na pesquisa, busca-lhe o essencial — para si mesmo, não se confundindo com a matéria do estudo. Essa problemática da relação de AM com MA pode ser vista nas afirmações de dois grandes pesquisadores brasileiros quando falam de Aloisio Magalhães. Sérgio Miceli destaca o eixo dos estudos deste último: A partir de uma releitura da proposta inicial formulada por Mário de Andrade, o pessoal do CNRC [Centro Nacional de Referência Cultural, fundado por Aloisio em 1975] foi-se dando conta da relegação a que fora condenado todo um acervo de atividades econômicas artesanais e manufatureiras que se colocam na raiz de práticas sociais cuja inteligibilidade estava a exigir a compreensão de seu contexto histórico de ocorrência e reprodução.

  • p. 44

O bodoque aloisiano existiu por apenas dois anos — mas existiu como uma concretização das melhores concepções de Mário de Andrade: uma utopia antropofágica: macunaíma. Então, do que se trata mais uma vez? ! Da “única lei do mundo”. E podemos divisar um conjunto de questões, das mais específicas para a mais geral, seguindo-se o mesmo caminho de AM. E, sem o menor tropeço ou dúvida, pode-se ir dos objetivos à missão de um sistema governamental de cultura. Deve-se repetir: sem o menor tropeço ou dúvida. Pois então a primeira questão: a diferença entre a vertente do bem patrimonial e a da produção, circulação e consumo da cultura. A vertente patrimonial está “preocupada em saber guardar o já cristalizado em nossa cultura, buscando identificar esse patrimônio, recuperá-lo, revitalizá-lo, referenciá-lo e devolvê-lo à comunidade a que pertença”. Já a outra vertente está voltada para a dinâmica da produção artística nos vários setores, como literatura, teatro, música, cinema, artes plásticas, etc, na qual se está atento para captar o que ocorre na realidade brasileira e estimular onde for necessário, para, mais tarde, eventualmente, verificar o que, do material obtido, cristalizou-se e incorporou-se à dimensão patrimonial”. Neste ponto deve-se destacar a expressão saber guardar. Aloisio não diz, simplesmente, guardar o já cristalizado, mas saber guardar. Trata-se de uma sabedoria, pois a primeira pergunta, simples e complexa, que deve ser respondida, segundo o prof. Irapoan Cavalcanti, é: o que deve ser preservado, na linha do tempo? Reconhecida gestão estruturadora do Ministério da Cultura atual. O prof. Irapoan Cavalcanti hoje faz parte da FGV/RJ.

Isto é: fosse possível, a partir do presente abrir uma janela temporal para o passado, com o intuito de responder à pergunta isto ou aquilo deve ser preservado, teríamos três respostas possíveis: sim, não, talvez Sim, quando, no presente,  o objeto é completamente visível pelos seus registros e seus contornos materiais. Não, quando, no presente, apenas poucos registros são visíveis e o objeto é invisível. Talvez, quando, no presente, temos registros visíveis e partes de contornos materiais (ver “Esquema Irapoan”).