A Favor do Bem Cultural

Recife, (13-17), jan./jun., 1982

Ciência & Trópico

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… é entendê-la como conscientização de uma nova geração de brasileiros que assume sua dupla condição: agente e vítima de sua história. Geração que assume os desafios que em 1981 se colocam a um país de terceiro mundo, como o Brasil. Que necessita proteger sua identidade cultura. Que ao protegê-la, necessita consolidá-la e expandi-la. Melhor. Que necessita protegê-la, consolidá-la e expandi-la a favor de sua independência cultural, e sobretudo econômica. Esta troca de de cenários, simbolizada na passagem do IPHAN para a Fundação próMemória é a resposta de nossa geração a dois desafios principais.

O primeiro desafio é resolver o dilema entre a necessidade de consolidar uma única identidade cultural nacional, e a contingência de existirmos em contexto socioeconómico, geográfico e étnico essencialmente plural.

O segundo desafio é resolver o dilema entre a preservação centralizada e descentralizada. Vejamos, um a um, como se apresentam estes desafios. Resolver o dilema da identidade cultural é exigência de uma preservação cultural consciente de seu tempo. O dilema começa a ser resolvido com uma reflexão sobre o conceito de patrimônio histórico e artístico. Questiona-se o conceito prevalescente. A reflexão crítica contrapõe o conceito de bem cultural, que é muito mais amplo, ao conceito de patrimônio histórico e artístico, que é apenas um de seus limites. A partir desta reflexão crítica algumas constatações ficam evidentes.

Em primeiro lugar, o bem cultural a ser preservado não deve se limitar ao monumento de pedra e cal. Este foi um limite colocado pela contingência histórica. O bem cultural é muito mais amplo. Está presente nos valores, nos hábitos e costumes. Nos fazeres e nos dizeres. Nas tecnologias nacionais, as mais simples e as mais complexas. O bem cultural está presente no ato-monumento, e no ato-cotidiano de um povo. Em seguida fica claro que o bem a preservar não é exclusivo da cultura de um grupo ou de uma classe social. De uma elite eventualmente dominante. O Sr. A. M’Bow, nos falou da necessidade da UNESCO escapar à visão greco-romana do planeta. Que divide o mundo em um mundo civilizado e um mundo bárbaro. Fica claro, que cumpre afastar de dentro de nosso próprio país esta mesma visão. Que dividiria o Brasil em dois, na cultura civilizada a preservar e na cultura bárbara a esquecer. Finalmente, fica claro que numa pluralidade de etnias como o Brasil, o bem cultural não é privilégio de uma só etnia: a branca européia. Há que se incorporar com decisão os legados das outras etnias: a negra e a indígena. A preservação dos índios, consistindo por si só, um dos problemas culturais mais importantes da nação.