Em busca do estilo brasileiro

1973

UT Libraries 2008

UVª Library 2010

Visão – vol. 43

Longe de ser apenas uma questão de estética, o desenvolvimento de um desenho industrial adequado aos produtos brasileiros torna-se uma necessidade imperativa para a consolidação da presença de nossas manufaturas na competição do mercado internacional.

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Embora sintomático, o problema das chuteiras não chega a ser grave. Tem valor apenas de exemplo. Há outros mais lamentáveis: não temos um estilo brasileiro nem para os 100 milhões de dólares que exportamos de sapatos anualmente, assim como não temos para os 600 mil automóveis que fabricamos, nem para os outros objetos que compõem o universo material do homem moderno: geladeiras, liquidificadores, móveis, roupas, máquinas de escrever, de fotografar, elevadores, etc. Em abril último, a secretária-geral do Conselho Internacional das Sociedades de Desenho Industrial (ICSID), Josine des Cressonnieres, veio ao Brasil a convite do Governo para estudar a situação do desenho industrial. Ao visitar um dos maiores supermercados de São Paulo, ela registrou a seguinte impressão que consta do amplo relatório já entregue às autoridades:

“Noventa e oito por cento dos produtos são de fabricação brasileira, mas muito poucos têm uma característica própria. Tem-se sobretudo a impressão de um amontoado cosmopolita de baixa qualidade”.

Como consolo, pode-se dizer que já foi pior. Ao contrário, por exemplo, da segunda metade do século XIX, não nos envergonhamos mais “da jaca, da manga, da fruta-pão, do dendê, do próprio coco da índia, saboreados às escondidas”, como conta Gilberto Freyre em Sobrados e mocambos. Temos agora orgulho em comer essas frutas, mas em geral fazemos isso usando garfos e facas importados ou copiados da Escandinávia ou da Itália. Onde está o design? E enquanto assim fazemos, copiando ou plagiando, o que tem feito o nosso desenho industrial ou industrial design, essa requintada atividade que tem como função exatamente conceber, planejar, desenhar de maneira original o produto — seja um garfo ou um móvel, um liquidificador ou um automóvel?

Se, como é visível, não temos uma fisionomia típica e se teoricamente temos as pessoas e a atividade para tal, o que está ocorrendo? As respostas a essa questão variam apenas na forma: ou temos uma atividade muito incipiente ou não temos praticamente nada. Há excelentes designers, há escolas, há já uma preocupação por parte do Governo, há tentativas e iniciativas, mas desenho industrial mesmo não há. Na busca das causas dessa ausência, as acusações são recíprocas. Os profissionais acusam o desconhecimento dos empresários, a falta de interesse do Governo e vice-versa, numa sequência enfadonha que se arrasta há dez anos e que parece indicar que todos têm razão, ou melhor, que todos têm culpa.

Em Brasília, ele disse a Visão: “Institucionalização só ocorrerá quando houver, de parte dos industriais, uma conscientização da sua importância”. E dessa responsabilidade Luís Corrêa não exime também os designers: “Ao invés de se trancafiarem em seus escritórios, a desenhar produtos individualmente, por encomenda desta ou daquela indústria, devem organizar-se em grupos ou designers centers.

Do Govemo, aqui entendido não apenas o Federal, através do MIC, mas também os estaduais, que têm ‘condições de conceder recursos? Ou da indústria, que deve ser despertada para a necessidade de melhorar a funcionalidade externa e o impacto visual estético de seus produtos, especialmente os que enfrentam a competição internacional? Ou dos designers, que são os agentes implementadores dos projetos?”. Há sete meses, ao se reunir com professores, profissionais e representantes de organismos da classe, Luís Corrêa já chamava a atenção para a gravidade da situação. Da ata da reunião consta essa observação: “O desenho industrial nacional é fraco de modo geral, somente apresentando resultados de padrão internacional em alguns setores ou grupos de produto”.

Dez anos, noventa formados.

Talvez devido à sua incomoda situação de estrangeira criticando o trabalho alheio no país dos outros, Josine des Cressonnieres, no mês que aqui passou, não chegou a ser tão franca. Nas quarenta páginas do seu relatório, se não há otimismo, há pelo menos muita esperança: “O Brasil tem designers. Eles são pouco numerosos e não têm apoio, mas existe um núcleo de profissionais competentes”. Seus colegas do Brasil são mais rigorosos. Ou realistas. Alexandre Wollner, presidente da abdi, acha que nestes dez anos houve muito pouco, inclusive divulgação: “Nem os meios de comunicação se interessaram, nem a ABDI teve forças para fazê-lo, por falta de recursos e pelo reduzido número de funcionários”. Nesse período, aliás, a ESDI— Escola Superior de Desenho Industrial formou noventa designers. “Mas como o meio empresarial não oferece grandes vantagens”, comenta Wollner, “inclusive porque desconhece a importância do desenho industrial o campo de atuação dos profissionais fica restrito e o ordenado baixo.” Tão baixo que apenas 50% dos alunos formados vivem exclusivamente da profissão, 80% dos quais realizando trabalhos de diagramação de impressos, como demonstra uma pesquisa recentemente feita pela própria ESDI, que conclui: “No campo do desenho industrial, só existe atuação nas áreas de móveis, postos de gasolina, exposições e stands”. Adelson Alves, por sua vez, que coordenou o seminário internacional promovido pela Sudene em novembro de 1972, mostra-se “muito desanimado com os resultados; nada de prático foi realizado até agora”. Adelson se refere não só às dez sugestões dadas no final do seminário, como à situação da exportação: “Eles exportam tudo o que fabricam”. Segundo ele, os produtos nordestinos hoje exportados podem dividir-se em duas categorias: “Os produtos semi-elaborados (fio de algodão, sucos enviados em tonéis e comercializados com outros nomes) e os produtos copiados de fora, como os calçados”.

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… que o Japão a abandonou. Ainda que se possa evocar a longa tradição antropofágica nacional, que é capaz de digerir tanto o bispo Sardinha quanto a música rock, e mesmo que se argumente com o fato de que a cópia não custa nada, já que aproveita todo o investimento e know-how alheio, chega um momento de saturação do mercado em que o design original passa a ser decisivo. Segundo Karl Hainz Bergmiller, designer alemão que atua no Brasil há cerca de quinze anos, três são os argumentos de venda do produto no exterior: preço acessível; qualidade objetiva (bom acabamento, boa execução, material diferente); e design (aqui no sentido de forma) — nessa ordem. Ora, dessas três vantagens, a cópia só se beneficia da primeira: “À medida que se sofistica, o mercado não exige apenas bom preço, mas boa qualidade e bom design”. Isso parece já estar ocorrendo com a indústria de calçados, no momento em que exporta 15 milhões de pares anuais. Entre os projetos que o  enviou à Secretaria de Tecnologia Industrial do MIC, está o seguinte diagnóstico: “No mercado nacional, a utilização de linhas europeias nem sempre apresenta condições ideais de uso.

Essa situação pode ser modificada pela criação do Estilo Brasileiro”. Quanto custa importar? Se a tese da cópia é discutível, com posições favoráveis que usam o imediatista mas forte argumento de que não custa nada, a importação provoca principalmente desconfianças e nem sempre por razões xenófobas – sobretudo quando é difícil saber exatamente quanto o país está despendendo em divisas com desenho industrial do exterior. Não existe nenhuma conta que discrimine o design importado ou exportado dentro do balanço de tecnologia do MIC. A justificativa oficial — dada por um técnico da assessoria econômica do Ministério — é de que o Governo não teria condições nem meios para dispor dos dados necessários para quantificar o design importado: este tipo de avaliação não poderia ser feito a partir de dados reais, mas do exame da estrutura custos de cada empresa, inclusive as estrangeiras que produzem o design no exterior e o exportam para o Brasil. Preocupado em mostrar como a visão dos designers é muito romântica em relação à concepção de seu trabalho, o técnico do MIC observa como eles não consideram design muitas das “influências que aleatoriamente o produto sofre na concepção (Louças sanitárias de W. Schoedon) de sua forma industrial e que não chegam a constituir dentro das fábricas um setor especializado”. Em relação ao balanço geral de importação e exportação de tecnologia, ‘ as estimativas são aproximadas e seria impossível ter dados discriminados sobre desenho industrial: os critérios para montagem do balanço são importados dos países mais desenvolvidos.

Desde que foi implantado no Brasil, o desenho industrial gozou do prestígio das coisas novas, sofisticadas e meio indefinidas. Depois da fundação da ESDI, a carreira chegou a ficar na moda: com apenas trinta vagas por ano, a escola atraía quase sempre trezentos candidatos. Como tema de discussão e exercício intelectual, o design foi também um dos preferidos na segunda metade da década de 60. Hoje, e pela primeira vez, o desenho industrial está sendo centro de preocupações mais objetivas.

Poucas vezes houve tantos fatos indicadores de que alguma coisa está para ser feita. E não se trata apenas de indícios aparentes — às vezes importantes, mas não necessariamente geradores: de ação, como ‘o seminário internacional promovido pela SUDENE’ no ano passado, ou as rápidas observações de Josine des Cressonnieres ou a recente visita do designer holandês

Andries Van Onck.

Ou mesmo a ida, pela primeira vez financiada pelo Governo, de três designers-observadores ao Congresso Internacional de Desenho Industrial em Tóquio – embora esse tipo de iniciativa possa ser muito útil, principalmente se se pensar que o Japão envia para os congressos internacionais verdadeiros comandos armados de gravadores e máquinas fotográficas para espionar os concorrentes.

De qualquer maneira, já se pode falar em uma política nacional para o desenho industrial, que inclui iniciativas como a criação dos centros de desenho industrial, que funcionarão assim, como o modelo japonês: – “Os design centers propostos pelo “Programa 06″ deverão ser centros-oficinas e não centros-museus, isto é, sua estruturação deve estar intimamente ligada às necessidades industriais e ao nível de conscientização dos empresários, para a necessidade do design e não para o deleite de uns poucos designers empolgados com o esplendor artístico de seus traços”.

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O setor de móveis é dos poucos onde o Brasil exercita seu “design”

Programas de informação e assistência, estímulo e estudos do desenvolvimento industrial e da comunicação de produtos especialmente para exportação.

Seminários, exposições e concursos visando a promover o desenvolvimento do desenho industrial.

Setores potenciais

Entre os setores a merecer atenção imediata, além do de embalagem — muito criticado na Export 72 —, foram selecionados pela Secretaria de Tecnologia Industrial o de eletrodomésticos (televisores, rádios, geladeiras); utensílios domésticos (talheres, louças); acessórios (abajures, cinzeiros, luminárias, tapetes, móveis domésticos e industriais — melhoria geral do desenho); sanitários e metais para a construção civil; brinquedos; calçados e artigos de couro em geral; acessórios automobilísticos; ônibus, veículos especiais; e vestuário. Ambicioso e estimulante, oportuno e competente, o plano do MIC para instauração de um estilo brasileiro, através do desenvolvimento do nosso design, sugere, no entanto, sob alguns aspectos, a pressa dos que chegaram atrasados e a perspectiva dos que estão olhando só para um lado.

“No desenho industrial como noutros setores de atividades tecnológicas, o
objetivo não é, de modo algum, o de nos autarquizarmos.

Os primeiros objetivos não são em si criticáveis, pelo menos na medida em que não excluírem outros tão importantes como projetos a longo prazo e mercado  interno. Se se quiser pensar em agradar — apressadamente e a qualquer preço — apenas o freguês estranho, utilizando para isso o desenhista industrial, existe o risco de sacrificar o freguês antigo e certo, além de se cair no erro oposto ao que se quer evitar: em lugar de designers metidos a artistas, designers vestidos de vendedores improvisados. Quanto à outra afirmação, a confusão pode ser apenas semântica. Autarquizar, no contexto, pode não ter nada a ver com autonomizar. Caso contrário, ocorreria um fato inédito: uma proposta de política nacional objetivando não a autonomia, mas a dependência.

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 A cópia contra os copiadores
Strassburger:  inspiração é europeia

As exportações brasileiras de calçados deverão atingir 100 milhões de dólares no fim do ano, isto é, quase o dobro do ano passado, quando exportamos 54,5 milhões de dólares. Talvez por isso e não por acaso, durante a última Feira Internacional do Calçado, em Novo Hamburgo, RS, visitantes estrangeiros fotografaram e filmaram diversos modelos
brasileiros — três coleções completas — que deveriam ser vendidos no mercado
americano. Por coincidência ou espionagem industrial, os lançamentos gaúchos para  o verão 1973—74 dos Estados Unidos foram um fracasso. O comportamento dos
visitantes provocou surpresa, mas não indignação. Em matéria de calçados, a tradição de cópia é nossa.