Por dentro do cinema novo: minha viagem

Paulo César Saraceni

1993

UT Libraries 2008

  • p. 77

O Rio tinha se esvaziado. As cartas de Marcos Faria e Leon eram desanimadoras. Havia o Centro Popular de Cultura, que estava sendo formado mas era ainda muito abstrato. Eu via claramente que aquele meu comunismo escondia uma grande frustração. De não ter a cópia de Arraial, de ficar nos bares bebendo e falando de um filme que não existia. Fora tudo mentira. Eu via que Mário era incapaz de finalizar o filme sem a minha presença, que Joaquim e Montanha eram produtores de merda, que eu nunca devia ter saído do Brasil sem a cópia do filme. Que eu tinha sido precipitado e louco. Havia uma jornalista brasileira que me fazia companhia naquele humilde quarto. (Agora, lembro-me com saudades daquele tempo que me deu uma grande experiência de vida; ali eu vivi mesmo sozinho, sem papai e mamãe, apesar das cartas trocadas com eles. Sofria e fazia eles sofrerem. Foiuma merda. Mas aprendi muito, e conheci pessoas santas, como Luigi e Yole.) Eu tomava porres terríveis e uma vez fui com um jovem florentino de nome Remo (que trabalhava como garçom num bar perto da Piazza Navona), inteiramente bêbados, ao Café de Paris, e desacatamos todos os que achávamos que eram …

No Alvorada, o filme tinha sido vaiado, mas dona Heloísa, doutor Lúcio Costa, Aloisio Magalhães, os amigos cineastas, os intelectuais de esquerda, tinham gostado muito. E Mário tinha entregue uma cópia em 16mm para o Aloisio Magalhães que viria a Roma, me trazer. Finalmente chegaria Arraial. Mas Aloisio demorou muito, e aquela espera foi pior ainda, quase me matou; situação horrenda, mesmo.

Kafka era pinto! Somente depois, nos tempos de Collor de Melo e Ipojuca Pontes, em 26 de março de 1992, depois que nossa atividade cinematográfica brasileira foi apunhalada de forma cafajeste e cruel, é que vi algo comparável, e, mesmo assim, comparável até ao gesto de Judas.