As Construções de Brasília

Espada, Heloisa.

IMS Rio de Janeiro, 30 abril a 25 julho 2010

 

Diferentes feições adquiridas por Brasília em seus 50 anos através de séries fotográficas de Marcel Gautherot, Thomaz Farkas e Peter Scheier, junto a obras gráficas e audiovisuais de Mary Vieira, Aloisio Magalhães e Eugene Feldman sobre a edificação e os primeiros anos na capital.

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Peter Scheier е Stephan Geyerhahn – Brasília vive!, sensação de curiosidade e disponibilidade de quem chega num lugar desconhecido, quando tudo é novo e ainda não há rotina. Há uma poesia singela, às vezes lúdica, na brincadeira dos meninos com o guarda-chuva, no cabelo lustrado do funcionário público a caminho do trabalho, nos letreiros pintados a mão monopolìzando as ruas do Núcleo Bandeirante, no corpo arqueado do varredor de rua junto ao carrinho decorado com as colunas do palácio da Alvorada. Há humor, pelo menos aos olhos de hoje, no que parece ser a chegada de candidatos para um concurso de cães de raça no cerrado. Peter Scheier esteve em Brasília a serviço de uma agência norte-americana e para a produção do livro Brasília vive!, cujo argumento central foi demonstrar, sobretudo por meio de imagens, que a capital já não era um lugar inóspito no interior do país. Sua habilidade para registrar as pessoas com naturalidade, de perto e em movimento, provavelmente foi cultivada no período em que trabalhou como repórter fotográfico da revista O Cruzeiro, nos anos 1940 e no início dos 1950. Sua formação incluiu também a experiência como fotógrafo de arquitetura para nomes como Lina Bo Bardi, Gregori Warchavchik e Rino Levi, que, como Scheier, viviam e atuavam na cidade de São Paulo. Em Brasília, o fotógrafo investiu numa visão intermediada pelas amplas fachadas de vidro dos prédios de Oscar Niemeyer, explorando a integração entre interior e espaço público proposta por essa arquitetura. Em suas fotos, os edifícios dos três poderes e dos ministérios se refletem e se interpenetram banhados por uma claridade intensa. Numa sequência noturna, funcionários públicos são observados em cenas discretas através das fachadas transparentes. Diferente da Brasília de Marcel Gautherot, onde predomina a amplidão e o vazio, as paisagens urbanas de Scheier, recortadas por vidraças e venezianas, têm múltiplas camadas e enquadramentos, conferindo uma face caleidoscópica e multifacetada para a capital.

Thomaz Farkas registrou o canteiro de obras, o Núcleo Bandeirante e as primeiras favelas formadas em torno do Plano Piloto. Fez ainda um retrato épico do dia da inauguração, mostrando Juscelino Kubitschek sendo aclamado entre a população, que, em outras cenas, ocupa com propriedade vias e monumentos. Numa das imagens mais emblemáticas da série, mulheres e homens, alguns deles candangos, caminham sobre a laje do Congresso. É como se a imagem nos dissesse que Brasília finalmente seria capaz de reconciliar o Brasil rural e  arcaico com sua face moderna. Conhecido, sobretudo, por sua produção dos anos 1940 e 1950, sendo considerado um pioneiro da fotografia moderna no Brasil, Farkas alia em seu trabalho pesquisa formal e testemunho histórico. Suas fotos de Brasília foram publicadas apenas na década de 1990, após a edição dos primeiros estudos sobre a fotografia moderna no Brasil,” bem como dos primeiros livros e exposições sobre a obra do fotógrafo.

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Além de explicitar o quão recente é a historiografia da fotografia no país, creio que esse reconhecimento tardio revela também nossa nostalgia em relação ao país projetado nos anos 1950.

Em 1959, o artista gráfico brasileiro Aloisio Magalhães e o norte-americano Eugene Feldman produziram o livro Doorway to Brasilia, com uma série de gravuras em off-set realizada a partir de fotografias da capital em construção. A publicação é um poema visual, em que o canteiro de obras e a arquitetura são a matriz de imagens imprecisas, coloridas com tintas metálicas e de aparência artificial. Contém uma introdução do novelista e pintor norte-americano John dos Passos, breves notas sobre a história da cidade e citações de Juscelino Kubitschek, Lucio Costa e Oscar Niemeyer. No entanto, inseridos na sequência de imagens, os textos com versão em português, francês e inglês assumem um papel inverso, como se fossem eles a ilustrar as gravuras. O livro foi feito na Falcon Press, gráfica e editora fundada em 1948 em Filadélfia por Eugene Feldman, um artista dedicado à experimentação de tecnologias gráficas. Aloisio Magalhães conheceu Feldman na década de 1950, em sua passagem pelos Estados Unidos como professor convidado da Philadelphia Museum School of Art. Juntos, eles produziram os álbuns Doorway to Portuguese, em 1957, e Doorway to Brasilia, como forma de investigar as possibilidades  da impressão em off-set sem o uso de retícula. O resultado é uma imagem de aparência litográfica que permite sutis sobreposições e transparências, chegando a alcançar qualidades pictóricas. Tratava-se de uma técnica de produção industrial utilizada como recurso de experimentação criativa, com ampla margem para a ação do acaso. Аo comparar dois exemplares de Doorway to Brasilia, por exemplo, que teve tiragem de duas mil cópias, é comum encontrarmos uma mesma imagem impressa em cores e densidades diferentes. Na palavra dos autores, “Brasília, a nova capital do Brasil, foi escolhida Fotograma registrado pelo artista gráfico norte-americano Eugene Feldman em sua passagem por Brasília, em 1959, cor, 16 тт como motivo deste livro pelo que sugere à imaginação – uma cidade pioneira, com formas expressivas e uma vitalidade que é, ao mesmo tempo, atual e eterna”. Eles visitaram a capital em 1959, quando o artista norte-americano a filmou em película colorida 16 mm.

As sequências tremidas, tingidas pela terra avermelhada do cerrado, desconcertam a ideia de que o Brasil dos anos 1950 era um lugar idílico. A abordagem é semelhante às gravuras do livro que seria realizado em seguida, provavelmente a partir de registros feitos durante a viagem. Em Doorway to Brasilia, a fotografia não interessa mais como documento, e sim como informação visual a ser utilizada em conjunto com outros recursos gráficos. A imagem foi selecionada do documentário Brasília segundo Feldman, realizado pelo diretor Vladimir Carvalho, em 1979.

Aloisio Magalhães e Eugene Feldman