Referência Cultural

1977

UT Libraries 2009

Interior

Coordenadoria de Comunicação Social do Gabinete do Ministro do Interior

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Num plano eminentemente científico, o Centro Nacional de Referência Cultural — entidade da qual participam a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, os Ministérios da Educação e Cultura, da Indústria e Comércio e do Interior, o governo do Distrito Federal e a Universidade de Brasília — elabora presentemente um programa para compreensão do fenômeno artesanal, inserido numa macro-visão que permita acompanhar de perto sua dinâmica. Sendo o artesanato um forte componente cultural e o CNRC um instituto dedicado à coordenação sistemática de conhecimentos e manipulação flexível de situações, problemas e informações pertinentes à cultura brasileira, o assunto estava, desde a instalação do órgão, há um ano e meio, no caminho de suas cogitações e planejamentos. Assim é que, depois de definida e estruturada uma abordagem específica a esse campo, deverão ser levantadas e classificadas atividades artesanais em todo o país, de forma a obter-se, no final, mapeamento de todas as ocorrências.

A tarefa é mais complexa do que pode aparentar à primeira vista, explica o professor Aloisio Magalhães, coordenador do Centro,

“é preciso seguir a dinâmica dos procedimentos, e não acompanhar meramente seus aspectos formais, pois somente dessa maneira é possível verificar as necessidades de intervenção no processo e as maneiras de executá-la de forma harmoniosa e produtiva.

A atividade, por assim dizer, não se estabilizou ainda, como ocorre em diversas nações. De nosso — autêntico e original — ele considera apenas as obras indígenas, uma vez que as demais produções são concebidas sob uma forte herança europeia, advinda dos tempos da colonização. É certo, ele observa, que ingredientes de modificação se fizeram sentir ao longo do tempo, mas não o suficiente para romper com os condicionamentos históricos. Ainda assim, na sua opinião, é possível detectar no trabalho do artesão brasileiro uma riqueza criadora muito grande. Aloisio Magalhães é de opinião de que o fornecimento de melhores condições à classe é vital para o desenvolvimento do processo, mas adverte sobre os cuidados que devem ser tomados em relação aos planos de formação e aperfeiçoamento, tendo em vista não interferir com a capacidade de criação e improvisação dos elementos, com prejuízo para manifestações genuinamente nacionais. Porque não é outro, senão esse, o papel principal reservado ao Centro Nacional de Referência Cultural: conhecer, ao longo da história, tudo aquilo que seja tipicamente brasileiro. E contribuir para que as influências, informações e tecnologias sejam absorvidas dentro de padrões próprios e chegar-se, assim, à consolidação de uma cultura solidamente brasileira. Conhecer o artesanato da área, nos seus aspectos de produção, comercialização e apoio.

Os fatores levantados, na sua totalidade, indicam uma atividade bastante diversificada em relação à matéria-prima e produto final, circunstância ensejada pela multiplicidade de procedências dos artistas. Em função, disso, pode-se dizer que há uma indefinição do artesanato da área embora possa-se reconhecer como típica e autêntica a manipulação das flores secas do planalto, os objetos de buriti, algumas cerâmicas de Planaltina e as tecelagens de Brazilândia. A torre de TV desponta, na cidade, como o local de vendas por excelência, responsável pela comercialização dos produtos de 195 artesãos, sendo o restante canalizado nas feiras livres, lojas ou as próprias residências. O trabalho de …

O programa prevê, além da orientação sistemática em técnicas específicas, o auxílio financeiro para abastecimento e estocagem de matéria-prima, compra de ferramentas e equipamentos, transporte para comercialização etc.

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A busca da identidade cultural brasileira

A presença constante da comunicação

Uma abordagem global de cada tema

CNRC

Será a sociedade de consumo um rolo compressor contra o qual nenhuma reação pode ser criada?

O que fazer contra a massificação dos produtos, que acomoda e irrita, ao mesmo tempo, a comunidade?

Estas são apenas duas questões levantadas pelo Centro Nacional de Referência Cultural, que resiste criando alternativas genuinamente brasileiras. É por isso que o estudo multidisciplinar do caju está entre as suas mais importantes pesquisas. Ou mesmo a análise da tecelagem popular do Triângulo Mineiro. A partir de pontos de referências tão nacionais, o CNRC espera conseguir a preservação dos mais importantes valores culturais do país.

Institucionalizado há mais de ano e meio — exatamente a 1º de agosto de 1976, graças a convênio entre os ministérios do Interior, da Educação e Cultura, da Indústria e do Comércio, das Relações Exteriores, Secretaria de Planejamento da Presidência da República, Universidade de Brasília, Fundação Cultural do DF e Caixa Econômica Federal — o CNRC, instalado no modesto prédio que foi sede da Reitoria da Universidade de Brasília, vem desenvolvendo silenciosamente valioso trabalho para o país: construir um sistema referencial básico para descrição e análise da dinâmica cultural brasileira, ou melhor, nas palavras mais …

Tal impressão é falsa, porém, e tem-se certeza disso não só pelo crédito que merece a opinião do conhecido designer; atesta-o o trabalho já realizado pela pequena equipe — aproximadamente vinte técnicos nas áreas de Sistemas e e Ciências Exatas, Ciências Humanas, Arte e Literatura, Documentação — que dispõe de recursos reduzidos para um período de dois anos …

Aloisio Magalhães, explica que

“o nosso pressuposto é o de resolver problemas a um nível de compreensão do fenômeno histórico nacional numa faixa mais ampla”.

Modestamente, segundo afirma, dentro de uma escala de valores limitada, uma
instituição como o CNRC pode ajudar a identificar, apresentar e deixar que se
desenvolva a dinâmica interna de certas áreas e formas do fazer tecnológico, utilizando algumas matérias-primas que poderão tornar-se elementos de identificação de uma cultura própria do Brasil e alternativas importantes para o desenvolvimento do país.

Aloisio Magalhães reconhece, contudo, que o Centro ainda nâo constitui instrumento efetivamente útil ao desenvolvimento harmonioso do Brasil,

“tendo em vista que ainda não é devidamente reconhecido e porque não congrega, até o presente momento, experiências suficientes para ser, talvez, mais afirmativo”.

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As tarefas do CNRC incluem, por exemplo, levantamento, análise e documentação da tecelegam popular no Triângulo Mineiro, já em vias de conclusão; organização do Centro de Documentação do Museu do índio, envolvendo cerca de dois milhões de documentos históricos; programa de levantamento ecológico e cultural da área onde se implantará o Complexo Industrial-Portuário de Suape (na região metropolitana de Recife); estudo multidisciplinar do caju, mostrando o papel que desempenha, tropical por excelência, dentro de diversos contextos, desde o da química até o das ciências humanas e das artes.

Um produto genuinamente brasileiro

“Nosso trabalho tem visão desenvolvimentista, mas não um impulso econômico-financeiro; nosso substrato é puramente cultural; é um tipo de marketing que estamos fazendo para o produto genuinamente brasileiro. Os padrões não são medidos em termos contábeis, uma vez que os parâmetros são inteiramente culturais, apesar de terem condições de provocar resultados materiais surpreendentes” — assinala Fausto Alvin. Os resultados surpreendentes a que se refere são claramente apontados por Aloisio Magalhães, quando defende a necessidade de que se procure incentivar mais a exportação de produtos de origem puramente nacional, “com a assinatura do Brasil e uma identidade nacional”, paralelamente à exportação de produtos padronizados e encomendados. Para Magalhães, a exportação de produtos industrializados, massificados, nada mais representa do que a exportação de mão-de-obra barata. E, por isso mesmo, ele a considera artificial, porque segundo assinala,

“no dia em que a nossa mão-de-obra não for tão barata como é, esse mercado externo desaparecerá”.

Indo além, Magalhães arrisca dizer que as sociedades desenvolvidas já sentem um certo cansaço da massificaçáo dos produtos, fruto da chamada tecnologia universal:

“Tudo ficou muito parecido, muito achatado. Então, quando surge um produto com identidade própria, ele conta com enorme potencial de mercado, porque essa identidade, esse caráter não são inventados, resultando de um harmonioso processo de sedimentação.”

A busca das raízes, da autenticidade

A ideia de criação do Centro Nacional de Referência Cultural, conforme enfatiza seu coordenador geral, surgiu como resposta às exigências de compreensão do Brasil de hoje, e de seu desenvolvimento. Para Magalhães já se fazia necessário que algumas pessoas se detivessem na análise mais aprofundada dos fenômenos brasileiros, vistos desde suas raízes, tentando compreender esses fenômenos e projetando para o futuro a forma como sua dinâmica deverá ter continuidade.

Veja bem, se temos como inevitáveis as transformações advindas do processo de desenvolvimento — inevitáveis porque não podemos parar no tempo, ou seja, o Brasil, no estágio em que está, não pode deixar de absorver volume muito grande de novas tecnologias, novas formas do fazer — parece também importantíssimo que alguém se detenha na análise de elementos autênticos, de raiz e que estão recebendo impacto de elementos externos. Explica Magalhães que

isso é necessário para que não se percam esses segmentos indicadores de cultura formulada ao longo do processo histórico; mais do que não se percam, para que eles consigam, em muitos casos, oferecer-se como alternativas brasileiras, a serem consideradas antes de quaisquer elementos estranhos.

Ele mesmo responde argumentando que

uma nova tecnologia pode ser conveniente apenas na aparência, por oferecer imediata eficiência e por outros aspectos à primeira vista válidos.  Assim sendo, ressalta a necessidade de avaliação mais profunda desses elementos, considerando-se se sua adoção não resultaria negativa a médio ou longo prazos.

Aloisio Magalhães cita o aproveitamento da mão-de-obra como um segmento que pode ser tomado por exemplo:

Terá sentido, hoje, no Brasil, a implantação de sistema de fazer tecnológico extremamente sofisticado e automatizado, em detrimento do aproveitamento de nossa abundante mão-de-obra?

A seu ver a questão tem ainda outras implicações: em muitos casos, o processo lógico de desenvolvimento das atividades de um grupo social, em determinada região, é cortado, interrompido pela adoção de tecnologias sofisticadas,

“enquanto que se aquele desenvolvimento lógico tivesse continuidade, poderia apresentar soluções alternativas igualmente lógicas, que não estavam previstas”

— argumenta.

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CNRC

… ciência deles, possamos sobre eles exercer controle, e com eles aprender.” 

Considera, nesse aspecto, muito importante a qualidade assinalada pelo presidente Ernesto Geisel, durante sua visita ao Japão, de que o Brasil pode ser enquadrado entre os países desenvolvidos, porque tem uma massa crítica e uma infra-estrutura de análise muito grande, e entre os subdesenvolvidos, porque enfrenta problemas imensos ainda a serem resolvidos. Para Magalhães

a ideia de que podemos pisar nos dois níveis de desenvolvimento representa o grande desafio brasileiro.

“Vamos tentar exemplificar. Nós estamos muito melhor do que as novas nações africanas, no sentido de que temos melhor infra-estrutura e mais consciência do processo histórico, além de relativa densidade do processo cultural. Isso nos dá grande vantagem, no tempo, sobre a maioria dos países da Africa, recém-saídos da era do colonialismo, geralmente ainda carentes de precisa noção de seus próprios valores culturais. Contudo, temos em comum com tais países imensos problemas a serem resolvidos: pobreza, distribuição de renda, saúde etc. Por outro lado, podemos nos situar no rol dos países desenvolvidos, tendo em vista o fato de contarmos com infra-estrutura bastante sólida para enfrentar esses males, sem no entanto estarmos sujeitos às dificuldades de modificação de estruturas cristalizadas, …

Enfatiza Aloisio Magalhães que esta seria uma posição “muito privilegiada” do Brasil em relação ao resto do mundo, e que o CNRC pretende acompanhar este processo natural de evolução. Assegura ele que o Centro, dentro de suas premissas, tentando definir uma forma de ideologia apresenta outros aspectos importantes, como o de compatibilizar problemas de tecnologia com questões humanísticas.

“Em outras palavras

— explica o coordenador geral —

faz-se uma tentativa de análise de fenômenos de transformação da tecnologia, vistos sob o aspecto humanista e antropológico.”

O Centro Nacional de Referência Cultural, reunindo estudiosos de todas as áreas, faz uma ponte de reflexão humanista e de estudos de ciências exatas e tecnologia, através de permanente interação dessas áreas. Aloisio Magalhães assinala que essa iniciativa não é fácil de ser levada à frente, tendo em vista que cada saber tem a sua forma própria e isolada de atuar.

 “Então a gente tem que ir procurando, aos poucos, diminuir as arestas”

— afirma, ressaltando que,

“às vezes, existem até mesmo dificuldades de linguagem”.

Preocupação com a cultura desde o início

A história do Centro Nacional de Referência Cultural antecede a  de agosto de 1976, data em que foi definitivamente estruturado e institucionalizado. Pelo Decreto nº 2.709, de 18 de setembro de 1974, atendendo à solicitação do Secretário de Educação e Cultura, Wladimir Murtinho, o Governo do Distrito Federal instituiu comissão para a implantação da infra-estrutura cultural de Brasília. Em fevereiro do ano seguinte essa comissão decidiu estabelecer grupo de trabalho para desenvolver um dos projetos sob sua responsabilidade — estruturar, no DF, um organismo dedicado ao estudo da cultura brasileira. Sob coordenação do professor Aloisio Magalhães, a equipe iniciou suas atividades a 1º de junho de 1975. Dessa data, até 1° de agosto de 1976, a tarefa da equipe foi institucionalizar o CNRC, encarregado de realizar, a partir de então, “estudos, pesquisas, planos e programas, visando estabelecer um sistema referencial básico, a ser empregado na descrição e na análise da dinâmica cultural brasileira, com as seguintes características básicas: adequação às condições específicas do contexto cultural do País; abrangência e flexibilidade na descrição dos fenômenos que se processam em tal contexto, e na vinculação dos mesmos às raízes culturais do Brasil; e explicitação do vínculo entre o embasamento cultural brasileiro e a prática das diferentes artes, ciências e tecnologias, objetivando a percepção e o estímulo nessas áreas, de adequadas alternativas regionais” — de acordo com o que determina a primeira clausula do convênio firmado entre os órgãos aos quais liga-se o Centro.

O documento, todavia, não subordina o CNRC aos órgãos convenientes. “Temos um grupo de trabalho, composto de representantes de cada uma dessas entidades governamentais, que traça as linhas gerais de ação e decide os assuntos de maior importância, a serem realizados sob a direção de uma Coordenadoria Geral, chefiada pelo professor Aloisio Magalhães” — assinala Fausto Alvim, que explica que a estrutura interna do CNRC constitui-se das coordenadorias de Sistemas e Ciências Exatas, Indexação e Documentação, Artes e Literatura e Editoração. Depois de um certo tempo, se o assunto não despertar o interesse de ninguém, ou se receber manifestações contrárias, morre automaticamente, para o Centro. Então nós nos comunicamos com o órgão remetente, esclarecendo que, infelizmente, o seu projeto não poderá ser desenvolvido por nós.

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Caju merece uma atenção especial

CNRC

Em relação à segunda classe — editoração —, com apoio de entidades estatais e paraestatais o CNRC pretende criar um fundo editorial, para edição de obras de interesse da cultura brasileira, escolhidas ou elaboradas de acordo com os objetivos do Centro.

Tais publicações far-se-iam de modo a serem acessíveis às bibliotecas, escolas etc, além de superarem as dificuldades da edição comercial de certo gênero de livros. Ao Centro Nacional de Referência Cultural, como observou o professor Fausto Alvim dentro de seus postulados básicos, só interessam temas que estejam vivos, em ação, no contexto cultural brasileiro. “Deve ser, portanto, alguma coisa de que se possa participar e, principalmente, com que se possa aprender” — diz. Assim sendo, quase todos os projetos do Centro estão relacionados a prototecnologias, artesanato, bibliografias ou documentação de assuntos nacionais. Em todos os casos, porém, o CNRC, como ressalta Fausto Alvim, pretende sempre fazer uma abordagem global dos temas, voltada para a troca de informações entre as diversas áreas do saber. Ao todo o CNRC desenvolve, no momento, vinte e cinco projetos, em diferentes estágios de realização. Na área do artesanato, considerada uma das mais importantes, já em vias de conclusão, encontra-se projeto de análise e documentação da tecelagem popular no Triângulo Mineiro, “uma tecnologia rudimentar em extinção”, segundo Clara Alvim, chefe da equipe responsável pelo projeto. A tecelagem popular, em teares de quatro pedais, foi introduzida no Brasil durante o período colonial, e mesmo com a proibição de D. Maria I sobreviveu em algumas regiões, entre elas o Triângulo Mineiro. Com vistas à documentação da tecelagem como técnica, a equipe responsável pelo trabalho colheu dados relativos a matérias-primas, instrumentos, técnicas de fiação e tecelagem, tingimento, repassos e produtos de diferentes repassos. Os dados foram registrados através de textos, fotos, desenhos e filmes. Ainda nessa área, está sendo realizado trabalho de documentação do artesanato indígena do Centro-Oeste e sua relação com formas de organização social das tribos da região. Por outro lado, já foram concluídos levantamentos detalhados, mediante fotografias e entrevistas do trabalho do artesão Amaro, de Tracunhaém (Pernambuco), que se dedica ao fabrico de cerâmica utilitária, e documentário cinematográfico sobre brinquedos populares no Nordeste, visando colher subsídios para apreensão do perfil cultural nordestino.

projeto: mapeamento do artesanato

Englobando esses e outros projetos, o CNRC está prestes a iniciar um mapeamento do artesanato no Brasil, visando, especificamente, a oferecer indicações para desenvolvimento da história da tecnologia no Brasil, à melhor compreensão das economias tradicionais no país e da função do artesanato neste contexto, ao desenvolvimento de tecnologias alternativas nas atividades de transformação brasileira, à construção de uma tipologia de subculturas nacionais e à análise crítica dos programas relativos ao artesanato. Com esses fins, serão executadas pesquisas sobre produtos artesanais, matérias-primas, técnicas de produção, canais de comercialização, função do artesanato nas comunidades, formação do artesão, racionalização do processo produtivo e outros aspectos de igual importância. Quanto a trabalhos sócio-culturais o Centro iniciará, brevemente, o Programa de Levantamento Ecológico e Cultural do Complexo Industrial-Portuário de Suape, que pretende recolher subsídios para avaliação dos efeitos da instalação do complexo sobre a ecologia e as populações do local.

De igual importância e com objetivos mais ou menos semelhantes, o Centro Nacional de Referência Cultural realizou o projeto Levantamento Ecológico e Cultural das Lagoas Mundaú e Manguaba, avaliando os efeitos da instalação do Pólo Cloro-Químico de Maceió sobre ecologia, cultura e qualidade de vida das populações locais.

Evitar choque cultural, um objetivo

Projetos como esses —

assinala Aloisio Magalhães

visam, particularmente, a evitar problemas de choque cultural entre a nova realidade em implantação e a já existente, e consequente evasão do homem local em busca de expectativa de vida melhor nos grandes centros urbanos. 

Quanto ao choque cultural, Magalhães ressalva que tem um significado muito grande em nossa época, mas não é um problema exclusivamente brasileiro.

O coordenador geral do CNRC aponta a maneira de se evitar o choque cultural: proceder-se a estudo preliminar de adequação entre os sistemas, antes da adoçâo de tecnologia nova em cima de um contexto mais primitivo, reduzindo, assim, a distância entre eles.

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“Se não houver esse tipo de trabalho, o choque é inevitável. E ele é tremendo porque não dá condições para que a estrutura social anterior, primitiva, tenha consciência de como se recuperar. Com isso, ela fica perdida e as consequências sociais são grandes e sérias”

— adverte Aloisio Magalhães.

Ele afirma, porém, que se pode atenuar o choque cultural, na medida em que se consegue identificar um ponto mais ou menos comum, mediano, entre os dois extremos. Isto é, o choque cultural pode ser adequado, quando se encontra um perfil que satisfaça, ao mesmo tempo, segmentos do novo e do que já existe, sem que suas dinâmicas sejam prejudicadas. O exemplo citado por Magalhães para esclarecer a questão é o do arquiteto que, ao traçar um projeto para uma região onde existem olarias, ao invés de pretender fazer sua obra toda de concreto deve adequá-la ao nível de tecnologia que o grupo social dispõe, utilizando tijolos. Para Aloisio Magalhães não tem sentido o fenômeno de concentração urbana, que ocorre particularmente no litoral brasileiro, quando se tem consciência do grande espaço cultural que é o Brasil.

“Não faz sentido o Brasil possuir cidades de dez milhões de habitantes, quando temos apenas cerca de 110 milhões de habitantes e uma densidade demográfica global muito baixa”

— afirma, acrescentando que a distribuição mais homogênea do homem no espaço é um fator importante e fundamental do processo de desenvolvimento. O choque cultural colabora ainda, acentuadamente, para a geração de outro problema, sem dúvida um dos mais graves no contexto do desenvolvimento do Brasil: a fuga do homem de sua região de origem, porque assinala o coordenador geral do CNRC, provoca a desilusão do homem, que foge de seu meio em busca de vida melhor nas grandes cidades. Magalhães acha que a proto-tecnologia, atividades artesanais e atividades simples de fazer deveriam ser incentivadas em cada região, para que o homem tivesse e sentisse condições de permanência.

Isto, inclusive, criaria confiança do homem brasileiro em seu próprio trabalho, fazendo com que percebesse as condições para esse quadro desenvolver-se harmoniosamente, e não, ao contrário, o que ocorre em muitos casos em que o brasileiro sente-se cada vez menor em seu posicionamento social dentro de sua própria atividade e observa a diminuição da presença do valor dessa atividade no contexto nacional.

“Então ele cai num processo de dúvida e de depressão, e ilude-se com as condições de vida melhor do grande centro”

— enfatiza Aloisio Magalhães. Outro projeto que está sendo desenvolvido pelo Centro Nacional de Referência Cultural, também ligado ao problema de fixação do homem à sua região, consiste num exame multidisciplinar do caju, ao qual Aloisio Magalhães revela um especial apego porque, segundo afirma,

dará dimensionamento muito grande do universo do produto natural brasileiro.

1979

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Mais santos que demônios

Seria o mesmo que dizer: a arte popular nordestina tem um único berço, forrado da mais extrema pobreza. Uma arte, por sinal, mais de santos que demônios. Mesmo as figuras trágicas e agressivas como as carrancas, são para espantar os maus espíritos, os espíritos endemoninhados que espalham a fome, a doença, a seca e a enchente. O que predomina mesmo é a santidade. Santos em barro e madeira. Santos negros, gordos, santos pedintes, santos com cara de sertanejo, tímidos, ingênuos, inocentes. Santos curandeiros e santos valentes; “um São Francisco de pássaros nos ombros e na cabeça: uma Nossa Senhora da Conceição usando o Mal; uma Santa Luzia de olhos arredondados”, todos presentes nesse reino de religiosidade e fantasia. Reino de parábolas, onde a terra seca brota a esperança nos santos, na crença dos santos, de onde jorra a luz da mais profunda razão de viver.

O Centro Nacional de Referência Cultural — CNRC, está aí para isso: preservar a cultura brasileira.