Arquivo Histórico

12/3/1980

ISTO É

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ciência coletiva que ajudará a defender as universidades, para que não sejam invadidas e os arquivos queimados. Quem defende a documentação da história do movimento operário italiano? A própria população.

ISTO É

Nas discussões oficiais deve-se abrir espaço para as tarefas da preservação da documentação da história social. Não seria absurdo pensar que o Arquivo Nacional e o hoje excelente programa do Fundo próMemória do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional pudessem vir a colaborar e a entrosar os diversos esforços na área. A criação de institutos especificos tornam muito vulneráveis nossos esforços. Não há por que deixar de lado um diálogo com os circuitos oficiais, de interesse permanente, como são os dos arquivos e do Patrimônio Nacional. Quanto maior a divisão do trabalho e menor a concentração, melhor – mais alargamento da consciência. Os problemas de segurança não devem ser exagerados: o microfilme permite que cópias sejam depositadas em outros lugares, assegurando a continuidade de nossos esforços. A própria divulgação ampla do material é também uma forma de resistir a qualquer ameaça obscurantista.

Del Roio

Além de multiplicar esses esforços por todas as universidades, nós temos de incentivar os sindicatos, as associações de bairro, enfim, as entidades da sociedade civil para que reconstituam a sua história, pesquisando, criando grupos locais, em colaboração até, quando quiserem, com a própria universidade. E não devemos ficar nos limites de São Paulo, há uma reconstituição da história social a fazer em todo o Brasil. Há uma história específica do Nordeste, do Sul.

Cannem Lopes

No Centro da Memória Sindical em São Paulo estamos tentando levantar a história sindical do Estado de São Paulo a partir de 1930. E um projeto baseado fundamentalmente em história. Estamos trabalhando há seis meses e temos cerca de doze depoimentos. As pessoas agora podem ressurgir, tomar fôlego, aos poucos vão-nos contatando e aos poucos vamos ampliando a rede de depoentes. Nossa proposta de trabalho é justamente que os sindicatos encampem essa ideia e a ponham em prática. Nós queremos que os sindicatos assumam sua própria história e que ao mesmo tempo as universidades possam ter acesso (e também coletar) a esses dados para que novos documentos surjam para a reflexão.

Maurício Lopes

O Arquivo Histórico do Movimento Operário Brasileiro que fundamos em Milão é uma experiência que reflete essa discussão nossa. Eu particularmente trabalhava na Fundação Feltrinelli e, com vários anos de contato com outros historiadores, fomos amadurecendo o projeto de que era necessário fazer algo para ajudar a preservar a memória da classe operária brasileira. Tínhamos alguns pontos de vantagem porque contamos com a colaboração, digamos assim, também da tecnologia dessa fundação, que é especializada em história do socialismo e do movimento operário internacional e italiano. O que vem confirmar o fato de que a democracia é importante para o trabalho de preservação da memória nacional. Na Itália, um país democrático, foi possível realizar um projeto que tem alguns laços com esse pais, mas que está voltado fundamentalmente para a história do Brasil. Nosso projeto pressupunha a doação de arquivos que estavam sofrendo pressões ou em via de ser destruídos por causa da repressão – cito aqui o caso do arquivo Astrojildo Pereira – e, por outro lado, fundos e arquivos que já estavam no exterior por razões diversas, como o arquivo do líder sindicalista Roberto Morena, asilado na Checoslováquia. Era nossa intenção recolher fundos de documentos em perigo no Brasil e fundos existentes no exterior. Não somente de militantes, como também a memória do exílio brasileiro. Essa memória da diáspora brasileira é uma matéria fundamental para a história do Brasil contemporânea. Trata-se de ver agora como é que esse material que nós recolhemos lá fora no exterior venha a engrossar as fontes da história dos movimentos sociais brasileiros.

Del Roio

A nossa experiência, é bom lembrar para a nossa reflexão sobre a democracia e a memória, contou também com a colaboração dos poderes públicos, italianos, como a região da Lombardia, a província de Milão,  e com o apoio: do movimento sindical italiano. Versas posteriores, Magalhães lembrou que o Brasil às vezes parece um largo território coberto por um tapete velho, que se está impregnando por bolor e mofo europeus. E pouco se sabe a respeito do que há debaixo dele. Mas, para trabalhar na busca das referências culturais, seja no artesanato de Tracunhaém, o vinho de caju nordestino, nas indústrias de migrantes de Santa Catarina, na tecelagem do Triângulo Mineiro ou nos trabalhos indígenas do CentroOeste, a estrutura do antigo IPHAN, agora uma secretaria, tornava-se absolutamente anacrônica.  É preciso não esquecer que, ligado a complexo governamental, a secretaria sofre os temores de uma administração danosa, cujo anseio maior nunca é  a “ciência, mas o primado do burocratismo, por esta razão foi criada a Fundação Nacional pró-Memória, que nasce com algumas garantias de verba para a execução de seu trabalho através de uma descoberta engenhosa o Serviço de Patrimônio da União, que se uiliza de prédios tombados. A renda conseguida em utilização dos prédios reverterá em beneficio da próMemória. Além disso, a fundação poderá receber legados e doações de entidades nacionais ou estrangeiras.

_ Conselho curador.

Este foi o caminho escolhido desde o início, nas primeiras conversas ainda no âmbito do Ministério da Indústria e do Comércio. O IPHAN ganhou novo e melhor status dentro da hierarquia do MEC, pois passou a contar com o Centro Nacional de Referência Cultural e o Programa de Cidades Históricas, que foram a ele adstritos. E a fundação, liberta das peias do burocratismo, tem a possibilidade de agilizar a implementação dos conceitos enunciados por Mário de Andrade e retomados em tempo recente. Entende Aloisio Magalhães que este é o caminho para iniciar a devolução daquilo que foi analisado e pesquisado sobre o bem cultural brasileiro. A devolução, no caso, significa a identificação, o conhecimento e a reflexão sobre a realidade – aquela que, embora escondida pelo tapete, persiste vivendo. E todo este conjunto de ideias deverá transformar-se em ação prática, num esforço comum com as comunidades, pois

“a própria comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio”,

afirma Aloisio Magalhães.