As duas vertentes do bem cultural

Aloisio Magalhães

abril/junho 1981

UT Libraries 2008

Cultura – ano 10, nº 36

MEC – Departamento de Documentação e Divulgação

Tendência

  • p. 2

A definição de uma nova política cultural através do Ministério da Educação e Cultura vinha se delineando, ultimamente, no que diz respeito a uma redefinição de competências institucionais no âmbito do próprio Ministério.

Pode-se considerar que os caminhos deste novo desenho começaram a ser vislumbrados a partir da criação da Secretaria de Assuntos Culturais (SEAC), em 1978, e, mais fortemente, a partir da fusão do antigo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) e com o Programa de Cidades Históricas (PCH) da SEPLAN-PR, que vieram formar a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e a Fundação Nacional próMemória (próMemória), em dezembro de 1979.

Na verdade, criavam-se, assim, as bases institucionais para o estabelecimento de duas vertentes distintas para o trato do bem cultural. De um lado, a vertente do bem patrimonial, preocupada em saber guardar o já cristalizado em nossa cultura, buscando identificar esse patrimônio, recuperá-lo, preservá-lo, revitalizá-lo, referenciá-lo e devolvê-lo à comunidade a que pertença. Do outro lado, a vertente da produção, circulação e consumo da cultura, voltada para a dinâmica da produção artística nos vários setores, como literatura, teatro, música, cinema, artes plásticas, etc., na qual se está atento para captar o que ocorre na realidade brasileira e estimular onde for necessário, para, mais tarde, eventualmente, verificar o que, do material assim obtido, cristalizou-se e incorporou-se à dimensão patrimonial.

Isto é, no primeiro caso, está se cuidando dos bens culturais que – sem perder seu caráter dinâmico e vivo – já atingiram um grau de estabilidade e permanência maior; ao contrário dos segundos, cuja característica principal é a grande dinâmica, atualidade e mobilidade, o que também não impede de, no futuro, virem a ter estabilidade e permanência.

Em termos institucionais, a distribuição dos órgãos do MEC não correspondia exatamente a esta divisão entre as duas vertentes (por exemplo, órgãos claramente patrimoniais, como alguns importantes museus, estavam na SEAC e não na SPHAN) e, além disto, não havia a necessária interação conceitual e operacional entre as duas secretarias.

Agora, ao assinar a Portaria nº 274, de 10 de abril de 1981, criando a Secretaria da Cultura (SEC), “por transformação das Secretarias do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e de Assuntos Culturais (SEAC)”, o Ministro Rubem Ludwig fornece o necessário respaldo institucional para que se tenha, no MEC, um único órgão central, de direção superior, na área da cultura.

A fim de viabilizar a ideia das duas vertentes, a Secretaria da Cultura conta com duas subsecretarias. A Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) é a legítima continuidade do trabalho iniciado  em 1937, quando da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e a ela compete aprovar, dirigir e coordenar os programas, projetos e atividades referentes ao inventário, classificação, tombamento, cadastramento, conservação dos bens de interesse natural e cultural.

Por seu lado, à Subsecretaria de Assuntos Culturais (SEAC) compete planejar, coordenar e supervisionar a execução de atividades de estímulo às manifestações culturais, dando apoio às entidades federais, estaduais, municipais e privadas, evitando duplicidade de atuação. Ela poderá, ainda, executar, supletivamente, projetos culturais cuja exemplaridade ou necessidade de coordenação assim o recomende.

A fim de descentralizar suas atividades e agilizar sua atuação, a Secretaria da Cultura conta ainda com duas fundações, correspondentes às duas subsecretarias, às quais fica reservado o papel de articular e dinamizar seus respectivos sistemas. São elas a Fundação Nacional de Arte (Funarte) e a Fundação Nacional próMemória (próMemória), que se reportam, respectivamente, à SEAC e à SPHAN.

A próMemória tem ainda os Museus da Inconfidência, do Ouro, de São João del-Rei, do Diamante, de Caeté, das Bandeiras, das Missões, da Imigração, de Arqueologia e Artes Populares de Paranaguá, de Arte Sacra de Santa Rita e mais quatorze casas históricas em diversos Estados. Por seu lado, a Funarte abriga os Institutos Nacionais de Música, de Artes Plásticas e do Folclore.

  • p. 3

Além disto, fazem ainda parte do sistema a Biblioteca Nacional, o Museu Histórico Nacional, o Museu Imperial, o Instituto Nacional do Livro, a Fundação Joaquim Nabuco, a Fundação Casa de Rui Barbosa, a Empresa Brasileira de Filmes S/A, o Serviço Nacional de Teatro, o Museu Nacional de Belas-Artes e o Museu Villa-Lobos.

Especialmente, pelo território nacional, a Secretaria da Cultura contará com diretorias regionais e representações, às quais competirá executar as atividades das subsecretarias em suas respectivas jurisdições.

Não se trata, como já foi dito diversas vezes, de criar um ministério da cultura, embora não se possa descartar esta ideia para um futuro ainda distante, quando o avanço do processo brasileiro vier a exigir a separação entre educação e cultura. Mas, no momento, seria prematuro e indevido criar este ministério, que fatalmente seria um órgão fraco, financeira e conceitualmente.

Mesmo porque, por enquanto, não podemos divorciar cultura e educação, conscientes que estamos do papel, que o processo cultural desempenha no educacional, na medida em que uma educação, desprovida de seu contexto sócio-cultural não passaria de uma técnica sem grande utilidade ou a serviço da progressiva perda da identidade nacional. Defendemos, ao contrário, o incentivo ao estreitamento das relações entre cultura e educação, certos de que não há desenvolvimento harmonioso se, na elaboração das políticas econômicas, não são levadas em consideração as peculiaridades culturais e de que, neste quadro, o sistema educacional desempenha papel primordial.

O bem patrimonial cristalizado e a dinâmica da produção artística fundamentam a política da recém-criada Secretaria de Cultura do MEC.

Tudo isto está de acordo também com as duas áreas que o MEC considera como prioritárias, de acordo com o documento Diretrizes de planejamento do MEC – programação para 1982, e que são exatamente a educação básica e o desenvolvimento cultural. A definição da educação básica e do desenvolvimento cultural como áreas prioritárias do MEC, tendo como referência os quadros culturais brasileiros específicos e o comprometimento do Ministério em direcionar suas ações em consonância com a política social do Governo de reduzir as desigualdades sociais e regionais e de fomentar o processo de democratização da sociedade, é uma contribuição, dentro de sua esfera de competência, para a busca de formas de desenvolvimento que reforcem a nossa identidade cultural. Nesse sentido, o desenvolvimento cultural deve ser entendido como a busca de uma trajetória de evolução que objetiva elevar de forma harmoniosa e coerente a qualidade de vida da comunidade brasileira. Como, no Brasil, o espaço cultural se caracteriza pela pluralidade e diversidade de culturas, para cumprir seu objetivo essa trajetória deve ter como base a compreensão das dinâmicas culturais existentes e o respeito aos valores de vária natureza em que estas se apoiam. Assim, com a finalidade de desenvolver, na área da educação básica, os fundamentos de um processo voltado para a busca de uma coerência com os pressupostos acima referidos, torna-se necessário que as ações educativas absorvam o conteúdo cultural.

Impõe-se, portanto, a necessidade de atribuir -se a devida importância aos diferentes contextos culturais existentes no País e com os quais as ações educativas devem iniciar um processo de maior interação. O espaço educativo onde se processa a aprendizagem deve ser o espaço da interação das diferentes culturas que compõem o universo cultural brasileiro.

Para isto, torna-se necessário que as ações propostas, seja a nível do MEC, seja a nível das unidades estaduais, se integrem não apenas operacionalmente, mas sobretudo conceitualmente. Mais uma vez voltamos a Mário de Andrade, quando dizia que o ensino primário “é imprescindível, mas são imprescindíveis também os institutos culturais em que a pesquisa vá de mãos dadas com a vulgarização, com a popularização da inteligência.

Assim é que, articulando dinamicamente as duas vertentes de tratamento do bem cultural, e estas, por sua vez, com o processo educacional, a Secretaria da Cultura se apresenta como instrumento de política cultural adequado ao que a realidade do processo de desenvolvimento brasileiro exige neste momento.